ENTREVISTA ARRANCADA A HERBERTO HELDER
Castelo dos Intrusos Indecifráveis, 1 da manhã.
Herberto precisa de ser regularmente desapresentado. Aqui foi re-helderizado. Socorremo-nos de um livro luminoso, uma verdadeira cicatriz que fala da solidão e da nudez sem atenuantes, sem fotógrafos esquinados à frente e convexamente, mas de aonde emerge o brilhante obscuro do mundo e dos seus coágulos fatais: não ainda a iluminação mas o relâmpago surdo que a precede.
Todas as suas palavras (desta entrevista paradoxal e absolutamente actual) foram extraídas, ao acaso, dos "Passos em Volta", um pequeno Finnegan´s Wake, igualmente inesgotável, e que faz de HH ums dos mais seminais poetas portugueses.
Olá Herberto sei que nunca dá entrevistas, como vai?
HH - Esta minha vida de agora é circular, e eu sufoco, sem dela poder sair, com o deus que lá existe, com Deus, sem Deus...comboios que não param de ranger e apitar.
Está a escrever alguma coisa?
HH - Tolice. Não me interessa o Reino nem a República. O meu apelido é um molusco sangrento.
Como vê a literatura em Portugal?
HH - O trabalho, vestidos vermelhos e azuis das raparigas, a ideia da peste não me sai da cabeça.
Ainda os neo-realistas?
HH - Apetece-me ficar só. Deixem-me, sou um neurótico, vê-se logo. Não vou amar o mundo.
Estou-me nas tintas.
Ainda vai a algum café?
HH - Ao "Duas Pessoas". Mas arrependo-me. A casa está cheia de fumo. É horrível. O alto dom de queimar as mãos abandonou as crianças desejosas de brincar.
Vê televisão?
HH . Não quero esse inferno. Estou noutro de boa qualidade. Maio é o mês de que eu mais gosto. Cheguei a possuir um talento menor de pelica. E uma terceira mão.
E as bicicletas?
HH - Um dia comprei uma garrafa de aguardente e embebedei-me no meu quarto. Despi-me todo, era repugnante. Tinham-me caído as sobrancelhas e os pêlos do púbis. Mas vi uma beleza tenebrosa. Os arrozais que passam duns dias para os outros, o coelacanto, com as suas raizes frias.
A sua relação com as mulheres da família, nomeadamente com a a sua avó era complexa.
HH - A minha avó era um marinheiro esperto, habituada à vida do interior, os cães observavam-na da janela. Todas as putas de Pigalle eram minhas mães. A minha avó era uma intérprete de Deus. Falo da Fêmea-Mãe em todos os meus poemas. A ferocidade dos tendões femininos, um delicado peixe fugitivo.
E a sua Ilha da Madeira?
HH - A coxa deita mais sangue.
Já lá voltou depois da última tentativa?
HH - A geografia não existe, a ferocidade dos outros pertence-me. Morrerei como se fosse numa retrete em Paris - só, com a minha visão.
Herberto precisa de ser regularmente desapresentado. Aqui foi re-helderizado. Socorremo-nos de um livro luminoso, uma verdadeira cicatriz que fala da solidão e da nudez sem atenuantes, sem fotógrafos esquinados à frente e convexamente, mas de aonde emerge o brilhante obscuro do mundo e dos seus coágulos fatais: não ainda a iluminação mas o relâmpago surdo que a precede.
Todas as suas palavras (desta entrevista paradoxal e absolutamente actual) foram extraídas, ao acaso, dos "Passos em Volta", um pequeno Finnegan´s Wake, igualmente inesgotável, e que faz de HH ums dos mais seminais poetas portugueses.
Olá Herberto sei que nunca dá entrevistas, como vai?
HH - Esta minha vida de agora é circular, e eu sufoco, sem dela poder sair, com o deus que lá existe, com Deus, sem Deus...comboios que não param de ranger e apitar.
Está a escrever alguma coisa?
HH - Tolice. Não me interessa o Reino nem a República. O meu apelido é um molusco sangrento.
Como vê a literatura em Portugal?
HH - O trabalho, vestidos vermelhos e azuis das raparigas, a ideia da peste não me sai da cabeça.
Ainda os neo-realistas?
HH - Apetece-me ficar só. Deixem-me, sou um neurótico, vê-se logo. Não vou amar o mundo.
Estou-me nas tintas.
Ainda vai a algum café?
HH - Ao "Duas Pessoas". Mas arrependo-me. A casa está cheia de fumo. É horrível. O alto dom de queimar as mãos abandonou as crianças desejosas de brincar.
Vê televisão?
HH . Não quero esse inferno. Estou noutro de boa qualidade. Maio é o mês de que eu mais gosto. Cheguei a possuir um talento menor de pelica. E uma terceira mão.
E as bicicletas?
HH - Um dia comprei uma garrafa de aguardente e embebedei-me no meu quarto. Despi-me todo, era repugnante. Tinham-me caído as sobrancelhas e os pêlos do púbis. Mas vi uma beleza tenebrosa. Os arrozais que passam duns dias para os outros, o coelacanto, com as suas raizes frias.
A sua relação com as mulheres da família, nomeadamente com a a sua avó era complexa.
HH - A minha avó era um marinheiro esperto, habituada à vida do interior, os cães observavam-na da janela. Todas as putas de Pigalle eram minhas mães. A minha avó era uma intérprete de Deus. Falo da Fêmea-Mãe em todos os meus poemas. A ferocidade dos tendões femininos, um delicado peixe fugitivo.
E a sua Ilha da Madeira?
HH - A coxa deita mais sangue.
Já lá voltou depois da última tentativa?
HH - A geografia não existe, a ferocidade dos outros pertence-me. Morrerei como se fosse numa retrete em Paris - só, com a minha visão.
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