ASSIMETRIAS
Este tipo com cara de máquina está-me a dizer como se governa o país. Deve ter razão. Tem o apoio dos bombeiros, e do gordo que quer fazer a Tal Central Nuclear, sem a qual seremos ainda mais réprobos do Grande Deus, a Modernidade.
Deve ter razão. Vai controlar tudo. Disse a rir com doçura que primeiro custa, depois dói, mas a seguir é uma alegria - vamos ter um contador no peito para pagar o ar que se respira. Os bombeiros perfilados aplaudiram. O chefe dos bombeiros – um sábio – acenou com a cabeçita que sim e as suas barbas brancas encheram-se de pequenas canetas que rubricaram tudo com um ZTDM flamante (zé teotónio de mattos) e voltou para trás a dizer
- este sim (pausa) este (grande pausa) este sabe.
E, diante dos bombeiros agora mais à vontade, todos de mão no tomatal, o tipo com cara de máquina engolido de novo pelo seu fato armani voltou a entrar no seu Volvo topo de gama, de vidro fumado, e disse adeus, mas era a fingir. Continuava-se a ver a sua imagem na televisão a dizer como é que é, como devia ser e como vai ser, e depois de chegar outra vez o futebol (a vida sem futebol não passa de um intervalo entre nada e nada mais).
Bem, chegámos à cervejaria para meter umas bijecas, que a desidratação é coisa feia e dorida. E logo na mesa entre o sol popular do tremoço e o frasco de plástico da maionesa para enganar alemães, estava o tablóide com a foto do tipo com cara de máquina todo sorridente a dizer a toda a largura da primeira página:
- temos que acabar com as assimetrias
E eu a ver Loren a entrar, a romenazinha de cara gira, com dois olhos assimétricos, um verde e outro castanho, e já num bosque sonhado eu a sonhar que lhe pedia o seu pulmão – concede-me o pulmão da sua filha? - ao seu pai, um homem cheio de goulash no bigode que nos olhava com enlevo de dentro de um relógio de cuco, e, distraído, eu na verdadeira realidade pedi-lhe:
- Duas assimetrias, Loren.
E ela no seu português muito aplicado em que entram e saem andorinhas pela sílaba disse:
- As si me trias?
- Desculpa lá, Loren. Mais duas imperiais.
A safada da mesa de tampo de (falso) mármore ria. Gostava de ver cair por cima dela a casca genial do tremoço, e de sentir o pingo da espuma. Safadas as mesas.
- Safadas as mesas - disse eu ao Lira (Francisco Pinto de Lyra)
- Ahn?
- Não vão ter um contador ao peito, como nós.
- Mas pode ser giro o contador, Morfeu (a minha alcunha por causa da soneca descabida a qualquer hora). Se calhar põe-lhe um sonzinho, como aos telemóveis.
Bem dizia o Jean-Paul Sartre que um tipo está só no mundo, e pior ainda está só contra todos. Nem num Lyra se pode confiar. Então entrou o tipo com cara de máquina na cervejaria. (mentira) A imprensa é que vinha à frente. Os incríveis fotógrafos com as suas barbas e bigodes de revolucionários vinham à frente, A cervejaria desde a inauguração, quando as maquinas eléctricas mata-moscas de luz azulada estavam na força da vida, e os espelhos brilhavam de novos, nunca tinha tido luz assim. Os fotógrafos como abelhas em cacho rodearam o homem com cara de máquina de grãos de luz.
Era assim que o homem brilhava. Absorvia a luz dos flashes. Ficava com o rosto de prata brilhante dos semideuses. Depois bastava-lhe dizer:
- Assimetrias.
E todas as Lorens do mundo se erguiam de pás e enxós na mão, com aqueles bonés tontos de pala que diziam Viva o Homem com cara de máquina, e o gordo da Central Nuclear com o seu sorriso de cachalote abençoava-os e todos o seguiam dando palmas dizendo que era tudo por nós, para nosso bem.
Este tipo com cara de máquina está-me a dizer como se governa o país. Deve ter razão. Tem o apoio dos bombeiros, e do gordo que quer fazer a Tal Central Nuclear, sem a qual seremos ainda mais réprobos do Grande Deus, a Modernidade.
Deve ter razão. Vai controlar tudo. Disse a rir com doçura que primeiro custa, depois dói, mas a seguir é uma alegria - vamos ter um contador no peito para pagar o ar que se respira. Os bombeiros perfilados aplaudiram. O chefe dos bombeiros – um sábio – acenou com a cabeçita que sim e as suas barbas brancas encheram-se de pequenas canetas que rubricaram tudo com um ZTDM flamante (zé teotónio de mattos) e voltou para trás a dizer
- este sim (pausa) este (grande pausa) este sabe.
E, diante dos bombeiros agora mais à vontade, todos de mão no tomatal, o tipo com cara de máquina engolido de novo pelo seu fato armani voltou a entrar no seu Volvo topo de gama, de vidro fumado, e disse adeus, mas era a fingir. Continuava-se a ver a sua imagem na televisão a dizer como é que é, como devia ser e como vai ser, e depois de chegar outra vez o futebol (a vida sem futebol não passa de um intervalo entre nada e nada mais).
Bem, chegámos à cervejaria para meter umas bijecas, que a desidratação é coisa feia e dorida. E logo na mesa entre o sol popular do tremoço e o frasco de plástico da maionesa para enganar alemães, estava o tablóide com a foto do tipo com cara de máquina todo sorridente a dizer a toda a largura da primeira página:
- temos que acabar com as assimetrias
E eu a ver Loren a entrar, a romenazinha de cara gira, com dois olhos assimétricos, um verde e outro castanho, e já num bosque sonhado eu a sonhar que lhe pedia o seu pulmão – concede-me o pulmão da sua filha? - ao seu pai, um homem cheio de goulash no bigode que nos olhava com enlevo de dentro de um relógio de cuco, e, distraído, eu na verdadeira realidade pedi-lhe:
- Duas assimetrias, Loren.
E ela no seu português muito aplicado em que entram e saem andorinhas pela sílaba disse:
- As si me trias?
- Desculpa lá, Loren. Mais duas imperiais.
A safada da mesa de tampo de (falso) mármore ria. Gostava de ver cair por cima dela a casca genial do tremoço, e de sentir o pingo da espuma. Safadas as mesas.
- Safadas as mesas - disse eu ao Lira (Francisco Pinto de Lyra)
- Ahn?
- Não vão ter um contador ao peito, como nós.
- Mas pode ser giro o contador, Morfeu (a minha alcunha por causa da soneca descabida a qualquer hora). Se calhar põe-lhe um sonzinho, como aos telemóveis.
Bem dizia o Jean-Paul Sartre que um tipo está só no mundo, e pior ainda está só contra todos. Nem num Lyra se pode confiar. Então entrou o tipo com cara de máquina na cervejaria. (mentira) A imprensa é que vinha à frente. Os incríveis fotógrafos com as suas barbas e bigodes de revolucionários vinham à frente, A cervejaria desde a inauguração, quando as maquinas eléctricas mata-moscas de luz azulada estavam na força da vida, e os espelhos brilhavam de novos, nunca tinha tido luz assim. Os fotógrafos como abelhas em cacho rodearam o homem com cara de máquina de grãos de luz.
Era assim que o homem brilhava. Absorvia a luz dos flashes. Ficava com o rosto de prata brilhante dos semideuses. Depois bastava-lhe dizer:
- Assimetrias.
E todas as Lorens do mundo se erguiam de pás e enxós na mão, com aqueles bonés tontos de pala que diziam Viva o Homem com cara de máquina, e o gordo da Central Nuclear com o seu sorriso de cachalote abençoava-os e todos o seguiam dando palmas dizendo que era tudo por nós, para nosso bem.
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