/* PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力: O VAZIO PORTUGUÊS

PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力

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2007-07-11

O VAZIO PORTUGUÊS


Suponho que cada nação tem a sua forma peculiar de Vazio que é o produto directo do Tédio e da Estupidez acumuladas sob forma de gordura mental ou política, consoante.
Tendo estado a trabalhar que nem um mouro, à noite e tudo, e não acompanhei por completo o último debate dos 12 candidatos à Câmara, por isso esta é uma espécie de crónica fragmentária. Baseada naquilo que nós portugas fazemos melhor: a espreita.

Nesta vidinha de ecrã em ecrã (imagino o O'Neill a fazer um começo de prosa assim), de vez em quando tirava os olhos do ecrã do computador e espreitava o outro ecrã onde os admiráveis 12 (número simbólico, os 12 de Inglaterra, os 12 apóstolos, os 12 meses do ano e o Dicionário dos Símbolos deve ter página mui fornida sobre o assunto) sentados em possantes e simbólicos cadeirões da Sala da Leitura da Câmara Municipal posavam.
(Nota: Qualquer dia vendem o edifício da Câmara para um Hotel de luxo. Por isso estas oportunidades de ver o belo edificio por dentro são raras.)
Vi logo que a hipnótica Madame Fátima Ferreira não tinha cedido ao espírito Zara, embora vestisse qualquer coisa de negro formal, avisando que a ocasião era séria e grave. A sua roupa pode ser descrita como uma farda de almirante, desidratada, com as galonas postas à roda do níveo colo. A voz vestida de negro, grave, mântrica, de Madame Fátima evocava aqueles mosteiros tibetanos depois dos chineses, com uns monges tristíssimos, que se vêem na Discovery. Nunca vi que tipo de sapatos usava mas fiquei fascinado com o ar de conclave da sala de leitura. Também naquela Sala à medida que a espreita se consolidava reparei que tinham um vago toque veneziano aqueles cadeirões onde se podiam imaginar doges togados. As Encenações do Poder em Portugal giram à roda do imaginário republicano do princípio do século passado: Marianas de gesso, uma geometria formal de madeiras pesadas, tectos muito altos, uma pose de racionalidade arquitectónica. Se eu fosse Visconti utilizaria sem dúvida os espaços onde o Poder se mostra para o contrastar com as ligas escarlate de Claudia Cardinali em todo o seu viço. Fetichismo pede fetichismo, e os fetichismos do poder são elaborados com todo o peso e a solenidade de uma retórica.
Os cenários não são indiferentes. Um bom cenário é mais do que metade do êxito de uma peça. O que se iria representar ali na Sala de Leitura da Câmara? Pois nem mais do que a encenação clássica da democracia: todos são ouvidos em tempo igual. A inexorável lógica distributiva da democracia entraria ali mais uma vez em acção. A grande sacerdotisa-pivot e além disso arbiter estava ali para fazer cumprir a distribuição equitativa do tempo de palavra. A deusa da suprema e exacta igualdade garantiria espaço de Verbo matematicamente distribuído.
Não pude deixar de me recordar que a democracia vive de rituais que a re-encenam constantemente - tal como a missa. E no fundo, na essência, estas representações rituais da igualdade são do domínio do sagrado. Aquele círculo de cadeirões é o inner circle, o círculo esotérico, a linha dos Doges, as mais altas instâncias na hierarquia dos anjos. O Poder sempre fez uma petição angélica de poder e sempre gostou de se espraiar num vórtice de falácias legitimizadoras.


Enfim, tinha que me concentrar na tradução de português para inglês que estava a fazer. O texto em português era daqueles textos de mau barroco. Uma estagiária de museu discursava em pinharandês sobre os quadros de um museu em frases intermináveis, lardeadas de boa gordura maneirista e barroca. Mas manejar mal a frase barroca é um desastre clássico em Portugal, onde quando se é obscuro e enigmático, isso passa por inteligência e cultura. Os dois ecrãs estavam contra mim! Senti-me no dojo de aikido, a enfrentar vários adversários. Mas é demais para um mero cinturão negro 1º Dan, enfrentar o Espírito Democratóide e a Mente Barroca. Seja como fôr tinha que fazer a tradução. A Dead Line já tinha expirado. Bem sei que em Portugal estamos sempre under pressure, a trabalhar com os fornos da cafeína todos em ignição, à última hora. Mas não estou muito seguro se curto a adrenalina. Prefiro o seu antagonista, a acetil-colina. (Desta pobre, outra lina, quase nunca ninguém fala). Tinha que fazer imperativamente a tradução e tinha que ver reunidos, pela primeira e certamente última vez os 12 admiráveis candidatos à câmara.
Já aqui no blog disse mal de todos eles. Julgo que não disse suficientemente mal. Faltou-me engenho e arte para dizer supremamente mal de todos em geral e de cada um em particular. Por isso, para não me espalhar na difícil arte de dizer mal - que tem mais praticantes do que o jogging - vou tentar ser heraclitiano, fragmentário - mas não oracular.

Num conjunto de pessoas sentadas em semi-círculo o nosso olhar é imediatamente atraído pelo mais gordo. É um princípio perspéctico clássico: o maior volume destaca-se e impõe-se. Aqui o maior volume era o Ruben de Carvalho, tratado por Roby ou Ruby de Carvalho por um Gonçalo da Câmara Pereira que sentia que estava outra vez na escola. Mas o personagem difere dos arquétipos. É curioso ver um comunista gordo. Cunhal fez escola, entrou na lenda e deixou a aura de uma imagem magra, de anacoreta, magro, consumido de tal modo pelo fogo revolucionário que se esqueceria de comer. Cunhal, o asceta lembra o Cura d'Ars, outro asceta. Falar de um bom bife junto deles, Cunhal ou Cura d'Ars soaria como pior do que inconveniente, seria obsceno. Ruben de Carvalho, pelo contrário, ribomba feijoadas, sardinhadas, caldeiradas, enfim a farta e boa mesa popular. Quando o vemos, antes de ele abrir a boca. a natural simpatia que se tem pelos gordos funciona. Porém, quando fala e moraliza com ideias de boas práticas camarárias, tudo isso soa a abstracções longínquas. Junto daquela simpática pança gostar-se-ia de falar de bons vinhos e tasquinhas de sonho, ainda com o vinho da casa a correr grátis e interminável. Infelizmente, a boa vontade dionísiaca e pantagruélica que a lauta figura do cidadão Ruben provoca, é cilindrada quando o homem adopta o tom trivial da indignatio (em Portugal é assim ; quando não se tem razão a pessoa indigna-se) e fala, e cilindra e canta as laudas das boas administrações do PC. Don Peppone era mais prudente.

Entretanto, na tradução debatia-me com a tradução para inglês do adjectivo "lumínica". O Webster e o Oxford não a incluem, ou pelo menos no perfeito esqueleto de labirinto que é um dicionário eu não a encontrava, ou ainda pior, não a queria encontrar. Temos gestos de perfeita má vontade, às vezes. Só é pena que a perfeição na má vontade nem sempre seja sustentada - mas isto é uma deriva florentina que não é práqui chamada. Voltemos ao gordo. O Ruben nao tem o cómico dos gordos. Parece, portanto, um gordo nu, em inox. Em vez de podermos partilhar umas boas garfadas, sentimos que vamos levar com uma garfada. Como hei-de dizer? - é um gordo que não é redondo.

A tradução falava de marinhas, que em inglês é parecido: "marines", embora os Pinharandas de Inglaterra prefiram "seascape", que evidentemente está no conjunto do "landscape". Às vezes é interessante estar sob fogos cruzados linguísticos, tipo ouvir um discurso de Wittengstein na televisão (pura suposição!) e em simultâneo ouvir cantar o Toy, outro gordo, da campanha do Carmona - que gosta de ser bonacheirão e escoteiro e quer pôr Lisboa toda à sua imagem e semelhança, a andar de mota. Imagine-se a terceira idade a sair de mota dos seus aquartelamentos e asilos, as matronas das avenidas novas, de calça de couro luzidia, uma cidade toda motard, a seguir a motocicleta dourada do edil...


O que me atraiu o olhar em segundo lugar foi a quantidade de gravatas rosa e vermelha dos candidatos. (Tem todos os mesmo conselheiro visual, que funciona a bitaites primários tipo o "vermelho" atrai mais?) Mas antes devo dizer que depois do pícnico, rúbido Ruben, o meu olhar caiu na figura de alfinete de dama do Negrão. Não tem ombros! Não tem corpo! Não tem voz! Se alguém quisesse fazer, de raíz, uma non entity, tinha-se logo o negrão. O homem não dá trabalho a fazer, mas vai ser um incómodo imenso para desfazer. É que os ectoplasamas são como a gelatina, escorregam, fogem por todos os lados, são impossíveis de cortar.


Também reparei nas mãos dos candidatos. Tem quase todos mãos finas, de dama, de pensador clorótico. Aquelas mãos nunca pegaram numa coisa forte e subtil como uma espada (eu pratico espada) nem nunca viram nem a sombra de uma enxada. Imaginam-se mãos solícitas de assesores a abrir-lhes portas de vidro. Já uma vez vi o Guterres a entrar na Gulbenkian à espera que lhe abrissem a porta de vidro, como lha abriram e sem se preocupar em aguentá-la, era uma daquelas portas voluntariosas que se fecham imediatamente. Atrás do Guterres vinha uma senhora que ia levando com a porta na cara. Sua Excelência nem reparou.

Voltando à palavra "lumínico". Nunca a tinha ouvido. Tem um corte etéreo. Não é bem luz, refere-se ao valor da luz ou a uma qualidade da luz. A luz é lumínica. Talvez todos precisemos de ser lumínicos de vez em quando, no intervalo de umas sardinhadas?

O António Costa era o segundo gordo, o segundo volume massivo para o qual o olhar ía. Mas estava com um ar distante e xanaxado. Um tipo que ganhou que merda está ali a fazer? Um frete ao serviço público, como já deve ter feito milhões. O António Costa é um saco gordo com voz. Carrega-se naquelas adiposidades e sai uma voz de basso profondo que deve ser óptima para recolher confidências de costureirinhas, e de damas carentes, magras, em crise relacional. O defeito é meu, eu só vejo o António Costa no século XIX, vestido de púrpura, rolando sobre os lípidos, deslizando sobre o que lhe sobra de voz prelatícia. O rolamento da voz supre-lhe a ideia.

A propósito de vozes - tenho bom ouvido. A maior parte daqueles candidatos não passava num casting. Anda tudo surdo? A porcaria de música popular circulante tem dado cabo dos ouvidos dos dirigentes políticos? É grave, um político sem voz é pior do que um amputado. Não só são vozes sem energia, sem clareza nem determinação mas são completamente inócuas, além de estarem mal colocadas e de serem desgradáveis ao ouvido.
Tenho um fraco pelo Mr. Bean...e quando vejo o Garcia Pereira simpatizo logo com ele porque penso no Mr. Bean, embora o contrário não seja verdade. O Garcia Pereira é um Mr.Bean fantasma, que nunca riu de si mesmo. Depois, apostar ainda no maoísmo quando se sabem as atrocidades que em nome de Mao se cometeram será o quê? antimorfo? ou mofo mental puro? Além disso, o senhor Garcia pinta o cabelo, o que lhe dá um toque de advogado odette. Tem outra voz desagradável, de quem esqueceu mal o madeirense, de quem escondeu à força o sotaque madeirense. Não sei bem o quer dizer pingarelho, mas acho que Garcia tem voz de pingarelho. Não lhe confiava nem um beco.

E que dizer das outras vozes e gravatas? Dou os parabéns à Helena Roseta que, apesar de estar rigorosamente vestida de tia, não tinha gravata. Mas a sua frase, que ficará para a história foi um Trafalgar: ouvir as pessoas não custa dinheiro. Por menos morreu Nelson. De si disse que era bem educada. Não era preciso, e percebia-se que tinha mais chá do que os outros candidatos.

Qual foi a minha desilusão da noite? Sá Fernandes. Porque terá uns olhos cheios de medo? Fugidios, parecem estar à procura de si mesmos, ou na desesperada procura da porta por onde fugir dali. (Ainda prefiro pensar que os seus olhos, sem nenhuma steadiness (sinal de calma interior) procuravam a porta, compreende-se, tanta non entity junta deve ser sufocante)- Depois o look de Sá Fernandes é confuso, entre o agente da funerária e o caixeiro-viajante - e há caixeiros-viajantes de ideias). Aquele bichanar com o António Costa prefiro pensar que foi uma coisa escolar.

Quanto aos caloiros nestas andanças : o homenzinho do nacionalismo, Pinto Coelho, sem voz, sem físico, sem ki. Depois o pateta alegre que nem vale a pena dizer o nome, e que interrompido pela Madame Campos sussurrou numa infantil procura de cumplicidade para Helena Roseta : então ficamos os dois ao cantinho. E ainda o nervosíssimo Quartin Graça, um homem duplamente apagado a borracha que a certa altura esgrimiu uns cartões pró-portela incompreensíveis e teve logo ali o último suspiro e o último submarino ao fundo.

Devo ter esquecido alguns. O diabo da palavra "lumínico."

Foto: duas lisboetas da segunda idade em campanha por uma Lisboa descomplexada e pronta para se atirar de hábito religioso e tudo ao Rio.