"TENHO A CABEÇA CHEIA DE PORTUGUESES"
João César Monteiro (que segundo o Alexandre O'Neill era o "homem todo em perfil") abraçado a uma ninfeta gorducha, com cára popular, prepara-se para continuar a filmar outro genial Vai e Vem. Traço do gravador Van Maele, tirado das ilustrações de Les Sorcières, de Michelet.
Note-se PONTO UM as antenas de interior de TV (anos setenta) no topo do occipital, PONTO DOIS a asa delta negra própria de um híbrido feito pelo governo de Sua Majestade com embriões de Vilar de Maçada e de ovelha transgénica PONTO TRÊS a cauda equino-felina que parece ser a extensão das sobrancelhas do falecido presidente Pompidou, o do famoso centro (anos oitenta), PONTO QUATRO a Pernita arqueada e aracnídea sem abdutor, própria de treinador de Lolitas.
NOTAS FINAIS: Os lençóis foram amaciados com Softone, o amaciador de eleição que dá orgasmos grátis na televisão. O colchão é anti-ácaros. A sombra à esquerda e ao alto é de Bento 16.
Se não viu vá ver este filme admiravelmente estático e movimentado, em que João Vuvu (com uma vaga ancestralidade negra e cigana), o Voodoo de todos nós, se passeia num pequeno autocarro da Carris onde tudo acontece entre o Jardim das Delícias do Príncipe Real e a sua casa semi-minimalista e semi-pombalina da Praça das Flores, onde um tempo de Lisboa mais do que barrocamente lento envolve a janela, o sofá império e com a insolência das coisas lentas tudo permeia.
Todo este filme é feito de gags nos limites do erudito, do popular e do trangressor. Delicioso, por exemplo o discurso falsamente pedagógico sobre o "Brochim", vulgo fellatio, pronunciado nas escadarias nobres do Palácio de São Bento por João De Sade Monteiro esclarecendo uma Julieta de meia idade.
Quanto à técnica fílmica, fantástico e nada monótono o uso contínuo do plano distante com a consequente rejeição do Close-up, criando uma distância que afinal se revela como a melhor para a subtileza e para os mistérios tranquilos e explosivos da intimidade entre uma empregada "toda vermelha por dentro" e um iniciador que a si mesmo se inicia, ou se desinicia. Ao mesmo tempo, há neste filme um uso admirável da cor e da luz de Lisboa (exterior e interior) e assiste-se à minuciosa desregulação do quotidiano justamente por meio dos gestos mais quotidianos de todos, como passajar meias, fazer limonadas e acender cigarros feitos entre escadarias e quartos, entre passagens dando a ver Lisboa como uma cidade de passagens onde tudo está paradoxalmente ferido de eternidade e ao mesmo tempo de impermanência.
De assinalar o uso da linguagem popular recorrendo aos provérbios - recorrente, e subvertida subtilmente. Bocage gostaria de ter visto este filme, que combina o humor de equívocos com a forte expressividade e a cor da blasfémia pura, dita com voz doce e precisa.
Enquanto João Choderlos de Laclos vai tendo as suas liaisons de um Perigo Português com criadas de servir a quem trata, na mais alta tradição galante, como duquesas. No meio surge o seu filho criminoso, que depois de volver a casa é despachado, à má fila, para o Tejo-Lethes.
Portugal teve um Jacques Tati entroncado em Alain Resnais e não deu por ele. Com Vai e Vem, João César (morreu pouco depois de o ter realizado) assina um dos melhores e mais divertidos filmes portugueses de sempre, que certamente terá aquele grau de fatalidade e de encanto dos grandes clássicos.
Note-se PONTO UM as antenas de interior de TV (anos setenta) no topo do occipital, PONTO DOIS a asa delta negra própria de um híbrido feito pelo governo de Sua Majestade com embriões de Vilar de Maçada e de ovelha transgénica PONTO TRÊS a cauda equino-felina que parece ser a extensão das sobrancelhas do falecido presidente Pompidou, o do famoso centro (anos oitenta), PONTO QUATRO a Pernita arqueada e aracnídea sem abdutor, própria de treinador de Lolitas.
NOTAS FINAIS: Os lençóis foram amaciados com Softone, o amaciador de eleição que dá orgasmos grátis na televisão. O colchão é anti-ácaros. A sombra à esquerda e ao alto é de Bento 16.
Se não viu vá ver este filme admiravelmente estático e movimentado, em que João Vuvu (com uma vaga ancestralidade negra e cigana), o Voodoo de todos nós, se passeia num pequeno autocarro da Carris onde tudo acontece entre o Jardim das Delícias do Príncipe Real e a sua casa semi-minimalista e semi-pombalina da Praça das Flores, onde um tempo de Lisboa mais do que barrocamente lento envolve a janela, o sofá império e com a insolência das coisas lentas tudo permeia.
Todo este filme é feito de gags nos limites do erudito, do popular e do trangressor. Delicioso, por exemplo o discurso falsamente pedagógico sobre o "Brochim", vulgo fellatio, pronunciado nas escadarias nobres do Palácio de São Bento por João De Sade Monteiro esclarecendo uma Julieta de meia idade.
Quanto à técnica fílmica, fantástico e nada monótono o uso contínuo do plano distante com a consequente rejeição do Close-up, criando uma distância que afinal se revela como a melhor para a subtileza e para os mistérios tranquilos e explosivos da intimidade entre uma empregada "toda vermelha por dentro" e um iniciador que a si mesmo se inicia, ou se desinicia. Ao mesmo tempo, há neste filme um uso admirável da cor e da luz de Lisboa (exterior e interior) e assiste-se à minuciosa desregulação do quotidiano justamente por meio dos gestos mais quotidianos de todos, como passajar meias, fazer limonadas e acender cigarros feitos entre escadarias e quartos, entre passagens dando a ver Lisboa como uma cidade de passagens onde tudo está paradoxalmente ferido de eternidade e ao mesmo tempo de impermanência.
De assinalar o uso da linguagem popular recorrendo aos provérbios - recorrente, e subvertida subtilmente. Bocage gostaria de ter visto este filme, que combina o humor de equívocos com a forte expressividade e a cor da blasfémia pura, dita com voz doce e precisa.
Enquanto João Choderlos de Laclos vai tendo as suas liaisons de um Perigo Português com criadas de servir a quem trata, na mais alta tradição galante, como duquesas. No meio surge o seu filho criminoso, que depois de volver a casa é despachado, à má fila, para o Tejo-Lethes.
Portugal teve um Jacques Tati entroncado em Alain Resnais e não deu por ele. Com Vai e Vem, João César (morreu pouco depois de o ter realizado) assina um dos melhores e mais divertidos filmes portugueses de sempre, que certamente terá aquele grau de fatalidade e de encanto dos grandes clássicos.
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