/* PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力: O SENHOR-CORNO

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2007-03-09

O SENHOR-CORNO


Os portugueses tem tanta falta de memória que se esquecem dos cornos em qualquer lado. Por isso vemo-los em bancos de jardins ao lado de jornais desportivos, na cadeira dos restaurantes, caídos ao fundo e à direita do pivot do telejornal.
Como há cornos por todo o lado ninguém lhes liga muito. Disfarçadamente vêem-se sujeitos na oblíqua alta a recolher cornos perdidos no café, no banco, no restaurante. Mas às vezes, com a pressa distraída, trocam de cornos e voltam para casa com cornos que não são os seus. A esposa chocada olha-os com ar bizarro. Chega mesmo a dizer-lhe : Aníbal...esses não são os teus!
Não são os meus! Não são são os meus? Não são os meus? É claro que são os meus riposta o Aníbal, furioso. E avança para a casa de jantar, já sentindo o bacalhau estragado.

Isto é o que se passa com o comum dos cidadãos. Mas num país onde só há gente comum, avessa à pintura, à arte, à música - salvo uma pequena elite de snobs que percorre de nariz no ar os Centros Culturais - há que se distinguir do comum portador de cornos. E por isso há um tipo especial de portadores de cornos que são os Senhores-Cornos. A sua presença é frequente na Televisão. O Senhor-Corno em geral é um sacerdote da modernidade - tudo o que é tecnologia fascina-o. Por qualquer novo objecto tecnológico é capaz de deitar abaixo a casa onde vivia Dom Cornão, o seu avô e Dona Cornúpeta, a avó. O Senhor-Corno tem cornos maiores do que o portador de cornos de Lineu. Quando se vira de lado de repente bate nos que estão ao seu lado, os quais humildemente ficam curvados, porque sabem que o respeitinho é directamente proporcional ao comprimento do corno. Se os japoneses se curvam de acordo com a quantidade de energia que detectam no "Hara" da pessoa respeitável, e no fundo ficando com a cabeça à altura do Hara esperam receber um influxo positivo, os portugueses curvam-se simplesmente para que não lhes caia um Grande Corno em cima.

O portador de cornos comum quando apareceu, por exemplo um objecto tecnológico chamado telemóvel, um objecto do tamanho de um pénis pequeno espalmado, adoptou-o com uma exuberância tropical. Agora tinha qualquer coisa que não se devia esquecer em lado nenhum, que não podia confundir com um corno - porque se é certo que cornos são gratuitos, não o são os telemóveis. E o portador comum de cornos preza muito o que custa dinheiro e mais ainda o que custa muito dinheiro. Por isso a partir da difusão do telemóvel os portugueses começaram a perder muito mais cornos, e por isso se vê que o afã principal, a actividade mais concorrida de todo o país a qualquer hora e momento é a procura dos cornos perdidos, agora com a ajuda do pequeno pénis espalmado.


Pintura de André Breton