AS MULHERES NÃO SÃO FÁCEIS DE ABRIR
O novo Café Sical 5 Estrelas apresenta-se com um SISTEMA DE FECHO que é considerado pela própria embalagem como
+ Prático
+ Fácil
+ Cómodo
uma trindade superlativa de "musts" que fazem parecer a antiga embalagem como qualquer coisa da era do pleistoceno das embalagens de café. A simpática preta, ícone de tranquilo racismo do exotismo da SICAL, continua em estado de nirvana a erguer uma fumegante chávena de café, Tem um turbante listado, um decote generoso. É uma hedonista, tem a largueza da entrega sensorial das pretas. Uma branca tem séculos de contenção sensorial. As pretas são mais bicho, podem sorrir com o corpo inteiro. O turbante zebrado reforça ainda mais a ideia de animal quase nu.
O café SICAL é criacionista. Debaixo da palavra SICAL vem estes dizeres "A origem do café". Não restem dúvidas o CAFÉ SICAL mantem contacto directo com o Continente Negro donde provem o café original, uma Preta Nirvânica assim o confirma. Está domada para satisfazer os nossos instintos, mas não inteiramente, embora tenha uma argola enorme na orelha por onde se pode passar uma corda.
Sobre a preta está a palavra ESTRELAS. São cinco. Como um hotel. É um café Cinco Estrelas. Tem serviço de negra incluída. Estamos numa suite, tudo desliza, não há obstáculos. A cortina do duche desliza, a combinação de água quente e fria não falha, a porta do pequeno frigorífico atulhado não range. Há um saca rolhas que não está oxidado e abre tudo à primeira. Tudo é seguro, higiénico e previsível. A pessoa pode dirigir-se para o sofá ergonómico, pegar no comando do sofá e ajustar a inclinação das costas. Fácil. Prático. Cómodo. Os três mantras da modernidade, que é o sonho burguês do "sem atrito" , a epifania do "não obstáculo", um mundo em que os objectos como pretas domesticadas são fáceis e cómodos e obedecem ao primeiro comando.
A rebeldia da antiga embalagem? ultrapassada. O seu incómodo? aniquilado. O seu lado inprático: eliminado. Chegámos ao paraíso.
2 Comments:
Ufa... não consigo acompanhar a profusão deste blogue.
(como são necessárias estas desconstruções de mitologias)
Já somos dois a não conseguir : -)
Um verso do meu amigo Ramos Rosa desculpa esta profusão: "venero a fertilidade".
Embora eu goste também do oracular, do sibilino, de tudo o que nos leva ao estado de espírito de Delfos. E dos hai-kais.
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