VIAGENS NA MINHA VILA
Hoje vi um frade de bicicleta, ia ao lado de uma jovem grega, ambos à mesma velocidade. Pensei que era um bom começo de filme, o frade eterno de bicicleta e a grega efêmera. Mas tambem penso que a realidade são os meus filmes, tenho uma costela de Arcebispo. Berkeley, o que pensava que tudo o que vemos are but visions displayed by our mind.
A colina do Castelo, que se vê bem de certos pontos da avenida D.Nuno Álvares Pereira, espreitava rodeada de oliveiras. O ar vivo e lúcido de Fevereiro, a luz tão mutável de Fevereiro, surpresa azul, depois prata, nuvens de todas as formas. E no ar o subtil perfume das laranjas.
Eu ia no meu chasso, um velho VW vermelho desbotado, calcinado pelo sol do Alentejo, roubado a um filme do Wim Wenders, com umas amolgadelas, um traço de ferrugem, as armas do Drummonds no capot (num autocolante). Nós Lordes dos primeiros crepúsculos somos guerrilheiros dandies.
O homem mais velho da vila todo curvado para o chão, mas ainda um olhar vivíssimo passou no passeio com um saco de plástico cheio de caracóis. Acenou-me com o saco. Aquele homem velhíssimo à noite mete-se num dos buracos das oliveiras e desaparece. Transforma-se em seiva azul, de noite vai dançar com as corujas. Imagino-o muito bem de noite, a uivar à Lua. Ou a ensinar os caracóis a correr.
Depois continuei pela avenida devagar, vendo o hostil quartel dos bombeiros, todo em ângulos de cimento, uma coisa de caixas feita por homens-caixa, e um cão passou muito lentamente à frente. Parei para o deixar passar. Tenho cortesia para com todos os animais. Não sou mais do que nenhum deles. Podiam ser meus pais, meus avôs.
E quem sabe se um cão não é um deus antigo?
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