UMA MENTE EM FATO DE TREINO
Parte do tesouro que os primeiros comunistas russos roubaram à Coroa Russa, agora a meio do autoritário consulado socialista que governa Portugal, tem um local - na gíria de museus chamado Pólo Hermitage - onde está em exibição em Lisboa. Foi boa ideia: despacharam para cá o trono do Czar, não vá alguém ter ideias lá. Também é verdade que os tesouros são exibicionistas e os portugas voyeurs, ou melhor, espias ágeis e praticantes assíduos da espreitadela.
Nas salas do Palácio da Ajuda, deslocalizadas para servir de abrigo ao Pólo, vêem-se mais uns quantos retratos, a óleo, em formato imperial, com belas molduras de talha, dos membros da família imperial. Acompanham-nos, umas jóias menores, umas pratas, mais uns adereços et voilà, com pompa (que ainda não é luxo) e com aquele luxo um pouco piroso e oficial das Cortes, tem-se o Pólo Hermitage de Lisboa. A visita demora pouco tempo - mas há sempre uma burguesia com uma mente em fato de treino, que adora visitar exposições com jóias, e que para elas guarda os maiores e mais consolados Aaaahs! e as mais demoradas contemplações. Nunca percebi essa gula, a admiração, a bulimia excitada que as jóias provocam. Tenho para com as jóias a maior das indiferenças. Nunca percebi nem quero a paixão pela prata. Pôr ouro no corpo, a mim parece-me que o torna estranho e feio. As minhotas cheias de arrecadas parecem-me vítimas de uma conspiração, os ouros mais finos e sóbrios das aristocratas e burguesas a meus olhos também me parecem expressões maníacas.
Entretanto, teve a sua piada ver o Putin, com ar de empregado de agência funerária rica, a esgueirar-se, de careca loira, no meio dos quadros imperiais. Nunca seria recebido em casa de boa gente. Só pode passar de lado e de perfil, com a boa gente já morta e oseus salões desmanchados. Ao lado dele, a nossa comitiva, de fato cinzento (tão típico da mente cinzenta ter extensões de acordo com elea) igualmente tão à l'aise nos imperiais salões como o raposinho, dava certeiros passos em direcção a fãbulas de Molière, e gravuras de Daumier, tipo o Ganso e o Pombo emproado que seguem a Mestre Raposa. Consola ver a velocidade e a aplicação com que a nossa subserviência segue o que ela julga Os Grandes.
Quanto a retratos de avoenga ilustre - já se sabe que fazem parte das mise-en-scènes e narrativas das chamadas boas famílias, que reproduzem em formato pequeno, o formato grande das Cortes, onde há galerias e galerias ajoujadas de retratos dos antepassados. Chatíssimos de ver para terceiros, quem, depois de duas condessas e meia, meia dúzia de Perucas com condecorações e faixas, todos com o brasão, e todos muito mal pintados por medíocres pintores, tem paciência para ver mais? Aqui o Pólo Hermitage, apoiado pelos nossos subservientes governantes e comissários culturais, de calcinha baixa diante do Autoritarismo russo, impinge-nos uma terceira linha de pintores de genre, que pintavam a metro o Gotha russo da corte da altura.
Se aquelas Czarinas, e príncipes tivessem sido pintados pelo Gainsborough ou pelo Reynolds - obrigados a pintar aristocratas para pagar rendas de casa e bocas em casa, ou amantes exigentes...
A única coisa decente, para uma memória culta, é recordar que aquelas damas da corte Imperial falavam melhor francês do que russo. O que se compreende, e a posteriori se aplaude. O russo é uma língua feia, cheias de shhhs, ainda pior que a de um Lente da Beira de ouvido duro. Por isso. irei ao Museu, enfim ao Pólo, como um Dandy deve ir - de luneta acerada, com o maior desdém possível por tudo o que não seja imaginar que estou a ouvir algumas daquelas aristocratas a comentar Prosper Merimée, em francês, e a debater um conceito do infinito em Pascal, na mesma bela, geométrica e desdenhosa língua
Nas salas do Palácio da Ajuda, deslocalizadas para servir de abrigo ao Pólo, vêem-se mais uns quantos retratos, a óleo, em formato imperial, com belas molduras de talha, dos membros da família imperial. Acompanham-nos, umas jóias menores, umas pratas, mais uns adereços et voilà, com pompa (que ainda não é luxo) e com aquele luxo um pouco piroso e oficial das Cortes, tem-se o Pólo Hermitage de Lisboa. A visita demora pouco tempo - mas há sempre uma burguesia com uma mente em fato de treino, que adora visitar exposições com jóias, e que para elas guarda os maiores e mais consolados Aaaahs! e as mais demoradas contemplações. Nunca percebi essa gula, a admiração, a bulimia excitada que as jóias provocam. Tenho para com as jóias a maior das indiferenças. Nunca percebi nem quero a paixão pela prata. Pôr ouro no corpo, a mim parece-me que o torna estranho e feio. As minhotas cheias de arrecadas parecem-me vítimas de uma conspiração, os ouros mais finos e sóbrios das aristocratas e burguesas a meus olhos também me parecem expressões maníacas.
Entretanto, teve a sua piada ver o Putin, com ar de empregado de agência funerária rica, a esgueirar-se, de careca loira, no meio dos quadros imperiais. Nunca seria recebido em casa de boa gente. Só pode passar de lado e de perfil, com a boa gente já morta e oseus salões desmanchados. Ao lado dele, a nossa comitiva, de fato cinzento (tão típico da mente cinzenta ter extensões de acordo com elea) igualmente tão à l'aise nos imperiais salões como o raposinho, dava certeiros passos em direcção a fãbulas de Molière, e gravuras de Daumier, tipo o Ganso e o Pombo emproado que seguem a Mestre Raposa. Consola ver a velocidade e a aplicação com que a nossa subserviência segue o que ela julga Os Grandes.
Quanto a retratos de avoenga ilustre - já se sabe que fazem parte das mise-en-scènes e narrativas das chamadas boas famílias, que reproduzem em formato pequeno, o formato grande das Cortes, onde há galerias e galerias ajoujadas de retratos dos antepassados. Chatíssimos de ver para terceiros, quem, depois de duas condessas e meia, meia dúzia de Perucas com condecorações e faixas, todos com o brasão, e todos muito mal pintados por medíocres pintores, tem paciência para ver mais? Aqui o Pólo Hermitage, apoiado pelos nossos subservientes governantes e comissários culturais, de calcinha baixa diante do Autoritarismo russo, impinge-nos uma terceira linha de pintores de genre, que pintavam a metro o Gotha russo da corte da altura.
Se aquelas Czarinas, e príncipes tivessem sido pintados pelo Gainsborough ou pelo Reynolds - obrigados a pintar aristocratas para pagar rendas de casa e bocas em casa, ou amantes exigentes...
A única coisa decente, para uma memória culta, é recordar que aquelas damas da corte Imperial falavam melhor francês do que russo. O que se compreende, e a posteriori se aplaude. O russo é uma língua feia, cheias de shhhs, ainda pior que a de um Lente da Beira de ouvido duro. Por isso. irei ao Museu, enfim ao Pólo, como um Dandy deve ir - de luneta acerada, com o maior desdém possível por tudo o que não seja imaginar que estou a ouvir algumas daquelas aristocratas a comentar Prosper Merimée, em francês, e a debater um conceito do infinito em Pascal, na mesma bela, geométrica e desdenhosa língua
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