NEPHELÉ
Toda a gente tem folhas a pingar da carótida
conta-me como foi o teu verão nos Dardanelos
vi a pele do mar toda arripiada diante de uma boca
de medusa
ah mas é então preciso contar tudo?
é preciso mentir tudo de novo contar tudo outra vez
foi tudo demasiado bem contado
o universo está sempre a desengonçar-se
parte sete-estrelo
avaria-te Neptuno
as coisas estão sempre a cair
toda a gente tem folhas a pingar da carótida
lembras-te Nephelé dos nossos sententa filhos que fizemos no Pólo Norte?
encostei os meus pulsos ao fogo
virei o meu rosto contra cada semáforo
será que é preciso derrubar as cidades falsas a golpes de bocejo
não cairá o governo com um bocejo pequeno e mortífero?
Conta-me o que fazias na Floresta Negra
sim já sei que levavas uma pequena lanterna e que não tinha pilhas
e que os olhos dos lobos lançavam luz suficiente
para escreveres um poema ou dois
estilo curto e grave indecedível
como um hai kai pirómano
diz-me como sentias a pele a afastar-se até às estrelas
como corrias de manhã até cravar os dentes na neve?
conta-me como morreste no aeroporto de Frankfurt
entre dois livros de poche e uma cerveja morna
e depois nunca mais conseguiste recordar uma só linha
do "alma minha gentil que te partiste tão cedo desta vida descontente"
e que passaste a confundir a Sonata a Kreutzer
com os passos titubeantes do teu pai a subir as escadas bêbedo como um Lorde
e como um pirata
toda gente tem folhas a cair da pele
o sangue escreve obras primas mesmo sem estar drogado
o mundo pifa a cada instante
o coração morre a cada minuto
e o lume frio nos olhos da Águia desproporciona
desfaz cada coisa e o seu duplo de pó etérico
mas diz-me conta-me como deixaste cair o capuccino
em plena Piaza d'Espagna
Sofia Loren violada por todos os anos cinquenta
Foto de Parke Harrisson
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