AINDA O NARIZ DE CLEÓPATRA
Às mulheres, em matéria de mutações físicas, tudo é permitido: podem pôr botox por todo o lado, num dia acordar com o peito liso tipo tábua e à noite disporem de um par de mamas monumental. Nascer com cabelo preto de uma moura algarvia mas produzir-se como um ruiva espampanante. Tirar varizes da perna, cortar o duplo e triplo queixo. Retirar gordurinha maldosa que se acumula nas ancas, na barriga, nas coxas, na olheira. Espremer a celulite, os pontos negros, erradicar verrugas de bruxa, tirar rugas da testa, do peito e das maçãs do rosto. Fazer implantes de cabelo. Aumentar as unhas, mudar de cor de olhos. Usar o estilo capilar soldado raso ou o Templo do Senhor das freiras. Pôr henne na barriga,nas unhas, tatuar o braço, as costas, a cara. Pôr um piercing no bico dos mamilos ou à porta do monte de Vénus. Ou mudar o recorte do nariz, das narinas, dos lábios e dos grandes lábios e mesmo implantar um sexo masculino e entrar na galeria dos ou das transgéneros. Rapar o pêlo púbico, vulgo pentilheira, pintá-lo, fazer-lhe tranças...
São eminentemente fluidas e como são feitas de substância da Lua, mutáveis. As geografias de ontem não são as de amanhã. O corpo do passado pode-se abolir de uma penada. Nada mais radical do que uma mulher, e também nada de mais implacável. Embirrou com o nariz? vai borda fora! Atira-se aos tubarões sem contemplações. Fartai vilanagem com os pêlos das minhas narinas, com o arco gótico a mais da minha cana do nariz! Enjoam-lhe as maminhas, gorduchotas de mais, flácidas ou com um recorte suspeito? Empinam-se, reduzem-se, dilatam-se, contraem-se, e deita-se fora sem contemplações o que não interessa.
As princesas também tem os seus problemas, e não só com os paparazzi que lhe espiolham a imagem. Tem problemas íntimos e públicos. Embora a intimidade seja de um grau zero, dado que uma princesa é uma produção feita para ser toda pública e eminentemente publicável. No fundo, as princesas são a gasolina que faz mover mil e um tablóides e revistas e conversas. Ninguém na China sabe quem é Cavaco, todos sabem quem é Letizia. Mas embora todas as princesas , em princípio, sejam mulheres (não se sabe até que ponto o sempre em expansão caderno de reivindações gay não virá a alterar o estado de coisas ou o estado de coisinhas, e um dia não tão longínquo como isso ter-se-á o jovem príncipe herdeiro casando com outro belo jovem promissor, podendo os dois adoptar um herdeiro) nem todas as mulheres são princesas. A esmagadora maioria não o é. Dado o Triunfo da Classe Média, a maioria das mulheres de todas classes e de todos os sexos é classe média ou tendencialmente classe média. Dado este calamitoso estado de coisas, entretanto, dada a carência e pauperização de monarquias e o triunfo da família nuclear, pouco procriativa, as princesas e príncipes de sangue real, herdeiros de uma Coroa, não abundam.
Ora recentemente Letizia, a princesa do povo - muito mais do que Diana que era uma Spencer (oriunda da nobreza normanda dos Le Dispenser, eram na realidade dispenseiros, tratavam de fornecer a dispensa da Casa Ducal) e tinha pedigree, Letizia é uma dupla princesa do povo, pois o seu avozinho era chófer de táxi ( vaya democracia!) - alterou o nariz.
Li num blogue espanhol que se está a dar demasiada importância a um simples apêndice, e que com o seu nariz cada um faz o que quer. O indignado bloguista, cheio de tiradas que me iam provocando asma, tal a sua raiva profética, revolta-se contra a importância excessiva dada ao apêndice, manifesta uma incompreensão total face ao sucedido. Pateia os tempos modernos. Atira-se à esquerda e à direita. Não entende. Está possesso de incompreensão, baba-se raivosamente e atira ácido sulfúrico aos que escreveram sobre o nariz da princesa, pró e contra. Mal sabe ele que Pascal, o filósofo dos tempos de Poret-Royal que ainda hoje move o pensamento francês, disse que se o Nariz de Cleópatra fosse mais curto teria mudado a face do mundo. Pascal sabia bem que o mundo acaba sempre, apesar da rede chata e monumental de economistas e banqueiros e jogadores de futebol de QI igual a 30 por ter o rosto de uma Princesa, de uma Imperatriz ou de uma Deusa.
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