DA IMITAÇÃO EM PORTUGAL
Quando abre uma loja disto ou daquilo, abrem logo outras cinco na mesma rua.
O mesmo se passa com os Centros Comerciais.
Com a caligrafia e com os penteados acontece a mesma coisa. Basta uma rapariga bonita ter letra redonda para existirem cem mil como ela.
As mulheres não toleram não imitar o que lhes pareceu sublime noutra.
Nem os políticos.
O problema de Portugal é que somos um país de imitadores júnior e senior. Mesmo ao morrer um português imita o estilo de morte de um outro.
A poesia portuguesa é muito aborrecida de ler porque há um só poeta e dez mil epígonos.
Mas quem leva a palma na imitação são os empreiteiros: estes tem a arte de copiar o que há de pior em qualquer outro empreiteiro.
Qualquer futebolista entrevistado é sempre o Ricardo.
Os filmes portugueses são quase todos feitos ou no Iémen ou no Castelo dos Cárpatos.
O êxito da música popular portuguesa é directamente proporcional ao excesso de acumulação de cera no ouvido.
A razão porque há tantos festivais de música em Portugal é porque a razão dos festivais de música é muito pouca e porque o inglês é uma língua fácil de imitar.
Um povo iletrado acaba sempre por preferir o abrelata e o idólatra. Um para abrir o outro.
Ter muitos campos de golfe é a forma que escolhemos de parecer ingleses.
Na cama as portuguesas tem todas o mesmo ai. E pelo que me dizem todos os homens usam os mesmos palavrões. Logo, não há nada que se imite mais do que o fazer amor.
Os discursos do Sócrates são mais curtos e indignados, e muito menos literários do que os do Salazar. Mas ambos imitavam dirigir-se à mesma entidade platónica: o povo.
O humor português não é um humor de situações nem de quid pro quos, nem sequer cultiva o nonsense. É um humor de tipo imitativo. Um burro a imitar um papagaio, acha-se graça.
O estado de felicidade em Portugal só existe nos estádios: a multidão imita estar em delírio, e por uns instantes consegue-o. Mas há delírios que são de insecto.
Há gente que desmaia de felicidade diante de um carro novo ou de um prédio do Siza. Faz-se o que se pode na imitação da felcidiade.
As mulheres que imitam o orgasmo também imitam muito bem a felicidade.
Os políticos nunca se dão conta que imitam muito mal o palhaço sério e o padre.
Os padres que imitam a virtude exalam ranço.
Os pintores que imitam sites-specifics são muito pouco específicos.
Todos os críticos imitam o Pinharanda e este imita todos os críticos.
O futebol português desde o dia de nascença imita um team campeão mundial.
Claro que a imitação provem da intuição difusa da própria menoridade e infantilismo.
Cada português em geral é filho de duas mães, a propriamente dita e o pai que imita a mãe dele.
As nossas imitações de família dão incestos, mas não romances.
Durante uns dez anos seguidos todos imitaram o Miguel Esteves Cardoso, agora só ele imita o Miguel Esteves Cardoso além de imitar todos os outros.
A coisa é por fases. Não se pode imitar toda a vida a mesma pessoa. Por isso varia-se a imitação na esperança que o imitador aceda ao zénite.
As novas meninas que escrevem no Público escrevem da mesma maneira, mesmo quando são do sexo masculino.
Há que anos que o Saramago imita ser comunista, tudo o que conseguiu foi imitar ser um iberista.
Um homem com muitos vícios imita sempre a virtude do mesmo modo que a Polícia imita a Lei.
A velocidade com que os gays imitam os tiques dos outros só é compensada pela velocidade com que se traem uns aos outros.
Os espectadores de futebol estão sempre a imitar outros espectadores de futebol.
Na religião católica o papa imita a voz de Deus, na luterana esse papel cabe à consciência.
Também igualmente divertido é ver um ateu a imitar a racionalidade.
Os candidatos à Câmara com um insucesso clamoroso imitaram a razoabilidade.
A escritora Agustina Bessa Luís sempre imitou os Oráculos e as Sibilas mas teve mais êxito no género DJ do Norte.
A imitação do entusiasmo é pouco apaixonante e a do cinismo cansativa, por isso aos políticos resta a imitação da modernidade.
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