DA ARTE DE MALDIZER
Dizer mal do país é o primeiro imperativo, um buraco negro,
e o dizer mal dos seus íncolas, uma choldra, uma cáfila,
é o segundo momento desta arte, mas também a sua conclusão,
a sua premissa e princípio. O país não presta, de resto nunca ninguém
no inteiro mundo ouviu falar dele, a não ser que é vagamente bom
em futebol
uma por uma desvanecem-se as memórias: num farfalhar
de sedas e guitarras quebradas D. Sebastião à frente de uma brigada gay
suicida-se claramente em Alcácer-Quíbir e a história,
jamais lida, a não ser por um punhado de especialistas
retira-se para o hemisfério boreal do subconsciente colectivo
um lugar de praias obscuras com telemóveis
Noutros tempos não havia musas para as batalhas
não se beijava Melpomene ou Aracné para que as espadas brilhasssem
mas apareciam Anjos do Senhor a segurar os pendões
e o grito rouco de São Jorge prometia sangue aos borbotões
e nunca se imaginaria Groucho Marx de bicicleta a passar
entre os disparos das bestas e o rugido das hostes
a dizer adeus com um lenço branco ao soneto camoniano
de fino recorte petrarquista
por isso não admira que atiremos mais cimento para o grande estuário
do grande grande rio e que a meio da noite acordemos
empapados com o sangue de um pesadelo porque já não nos lembramos
de que poema de amor recortámos uma lua grave
nem de qual ode do Alberto Caeiro daquelas bem taoístas extraímos
uma alcateia de nuvens em que gostaríamos de nos evaporar
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