SESSENTA DONS SEBASTIÃES POR MINUTO
Bebo nevoeiro e afasto-me das estradas frequentes
nada como beber nevoeiro rodeado de nadas vivos
roubados aos versos mais vagos de dois ou três penedos carcomidos
e dizia eu que a minha alma é recente?
concebida com suco de tubarão e crimes de resina?
não era eu: era o vento e as suas altivas matilhas
o vento e as suas facas duras gravando no sangue dos montes
as histórias que nos procuravam como hienas felizes
mas enfim, redijamos com consequência, arte e rigor
que o verso livre nem para sapatilha
e a rima nestes dias de belo desastre da humanidade
só por eco e acidente se devia pôr na olheira
dizia eu da alma? do sopro? do vento vago que fica depois
de um poema colidir com uma estrela?
não eu não dizia nada era outra coisa uma voz
nem grega como os prazeres nem fenícia como as insónias
uma voz uma vaga soletrava-me os etruscos desdéns Oh como são belas
As estrelas assassinas! E lá iamos de roda dos limoeiros
com os nossos galgos evaporados, nós os antigos príncipes
da Pérsia - à caça das metáforas desdenhadas por Rumi e Said
enquanto no coração do tamanho de uma abelha
se despenhavam as constelações de Alá
Coisa boa no tempo da matilha realista!
provar o suco das roseiras do além e não disfarçar
nem a nudez nem a metafísica
e deixar passar o eléctrico com o seu chiado intimista
de quem viu ranger a alma em dias melhores
mas votando ao suco: bebo nevoeiro e voo no dia
sobrenaturalmente vago: que prazer que desejo
poderia lá deixar de ser alguma vez por inteiro meu?
mas nada destes prazeres fáceis dos dias hedonistas
com comunicação instantânea de estados de alma.
Tirem-me daqui a falta de alma, e a própria alma moderna
já disse que tenhio uma alma de lata de salmão e de ponte suspensa
entre os castelos e as cabanas? Bebo nevoeiro
e vejo os novos mapas que crescem nas ruínas do socialismo
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