/* PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力: 2008-09

PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力

LES PRIVILÉGES DE SISYPHE - SISYPHUS'PRIVILEGES - LOS PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO - 風想像力 CONTRA CONTRE AGAINST MODERNISM Gegen Modernität CONTRA LA MODERNITÁ E FALSO CAVIARE SAIAM DA AUTOESTRADA FLY WITH WHOMEVER YOU CAN SORTEZ DE LA QUEUE Contra Tudo : De la Musique Avant Toute Chose: le Retour de la Poèsie comme Seule Connaissance ou La Solitude Extréme du Dandy Ibérique - Ensaios de uma Altermodernidade すべてに対して

2008-09-30

PRINCESA QUE TINHA DOIS NARIZES


Era uma vez uma princesa que tinha dois narizes.
De noite os narizes brigavam um com o outro.
Um dizia: odeio-te, és torto e vesgo!
o outro nariz dizia: detesto-te, és feio como um bode.
E a princesa que era feliz ressonava, sem saber de nada.
O principe a seu lado já estava acostumado.
Dizia-lhe: ressonas como um prado de papoulas!
Dizia-lhe: o teu ressonar é como vento sobre a aleta dos golfinhos.
E era feliz porque era um principe simplório e confundia os dois narizes com um guarda-chuvas, e embora achasse um pouco estranho ver dois guarda-chuvas na cara da princesa não lhe levava a mal porque ela tinha uma voz doce que o ensinava a falar.
Mas um dia um sumo-sacerdote da medicina, um cirurgião de cirurgia plástica entrou nos sonhos da princesa.
Tinha uma chave universal para entrar nos sonhos de bons clientes potenciais.
Começou a azucrinar-lhe a cabeça.
Disse: ressonas como uma vaca,
Eu? Eu sou uma princesa!
És uma princesa mas ressonas como uma vaca.
E a princesa começou a chorar.
Chorou tanto que a cama ficou inundada.
O principe de manhã estava enregelado. Tinha uma voz rouca.
Mesmo assim disse-lhe:
o teu ressonar é como o ópio dos povos felizes
e beijou-lhe o que ele julgava ser um guarda chuva.
Na noite seguinte o sumo sacerdote disse ao ouvido da princesa:
além de ressonar como uma vaca, com um dos narizes, o teu outro nariz peida-se a noite inteira.
a princesa só de ouvir isto ficou com olheiras terríveis.
à tarde ao inaugurar a nova central de sms o povo dizia:
dói ver as olheiras da princesa.
a esta ficou dez dias sem dormir.
ao décimo primeiro dia voltou o sumo-sacerdote e disse-lhe.
ressonas como uma vaca, peidas-te pelo nariz, e o teu marido, o principe, sabe que tens dois guarda-chuvas na cama.
desesperada a princesa meteu a mão dentro da olheira tirou de lá um lençol enorme, asssoou-se, chorou, e disse: mas que posso eu fazer?
Podes fazer a ablação dos teus dois narizes e eu sou a pessoa indicada para o fazer.
Sem hesitar a princesa disse então vamos a isso que eu já não posso mais.
Muito bem disse o sumo-sacerdote e logo ali no meio do sonho anestesiou-a e arrancou-lhe os dois narizes à dentada, e mastigou-os antes de os engolir.
Ah que bom! disse ele, apesar dos macacos os narizes sabem a caramelo.
Quanto à princesa continuou a ressonar, agora sem narizes.
E naquela terra que é como portugal mas em ainda mais palerma viveram para sempre a dormir todos felizes.

O Suicídio de um Nariz

(à esquerda: antes) (à direita:depois)

Ao que parece trocaram uma jornalista com um nariz aquilino e aristocrático por uma Barbie de ar neurótico. A princesa Letizia suicidou o seu nariz. Ou castrou-o?


Se o nariz de Cleopatra tivesse sido mais curto teria mudado a face do mundo (Blaise Pascal)

2008-09-28

da NECESSIDADE DA MENTIRA

Não são os gregos nem os cretenses, somos nós os maiores mentirosos do mediterrâneo, esse mediterrâneo astuto e arcaico, que é a verdadeira Europa.

Falso parisiense e autêntico mediterrânico, Charles Baudelaire, percebeu como ninguém a relação necessária e vital de mentira que se estabelece entre o escritor e o seu irmão, hipócrita e semelhante: o leitor.

Trata-se de um pacto de ficções: eu aceito a tua máscara se tu te elevares às alturas do meu fingimento.

A arte é a mentira absoluta, e Platão, amicíssimo da verdade, percebeu que tinha de expulsá-la imediatamente do seu reino de virtudes necessárias para governar.

To rule, impor regras é o que faz qualquer governo, sendo assim anti-dionisiaco por essência. Inimigos mortais do que não é razoável, racional, os governos impõem, legislam. Ergueram-se contra o comportamento errático, e hoje em dia, o comportamento não produtivo.

A burguesia é paladina da moderação para si mesma, e da penúria disciplinada para os outros. A sexualidade burguesa é toda ela feita de pequenos pactos de supressão do exagero. Coitos singulares, moderados, numa penumbra crepuscular.

A sexualidade socialista também conhece o freio da moderação, e da utilidade.

Mal um símbolo se destaca a humanidade encarrega-se de lhe arranjar um cativeiro.

A necessidade de venerar stars corresponde ao desejo infantil de chupar no seu dedo julgando-o ser de outro.

Um bebé em geral destrói o mais que pode as mamas da mãe, além de que se torna o seu maior monopolista. Às vezes come-as.

Num país onde tudo é província, sobretudo as cidades iluminadas e incessantes que se entre devoram, onde estão os grandes movimentos cosmopolitas? Já não estão nas paredes. Há muito que a publicidade confiscou todas as paredes e todo o discurso alternativo.

Cidadãos de um sub-império abolido por distração, desleixo e deriva, reunimo-nos para nos assassinar devagar: comemos a alma dos outros à colher, com algum asco, como se fosse uma dose de veneno doce e enjoativo.

Os partidos políticos que tem a solução, e todos afirmam que a tem, mentem com muita convicção e com pouca arte. Mas imagine-se, por pura diversão, um partido que não prometesse nada a não ser dor, esforço, renúncia, sangue, suor e lágrimas? Comer-lhe-iam imediatamente os rins. Somos cães do conformismo dos futuros cheios de solidariedades e irmandades. Não toleramos a diferença, a dificuldade.

O império digital tem patinhas de aranha implantadas na teia de cada cérebro.

Sou do partido diversionário: tudo o que dizemos atrasa a produtividade e promove a preguiça, a única deusa latina que tem a voz firme, e a coxa rija.

As caras dos políticos desabam periodicamente, tem uma espantosa moleza, são feitas de espuma, de adesivo e de papel mata-borrão.

Maquiavel queria ser o Príncipe, e quase o conseguiu, mas no fim fechou-se dentro de todos os séculos por vir.

Um homem incapaz de produzir labirintos mentais não passa de uma linha recta entre a sua estupidez e a colectiva.

El Mio Cid, é como o Meu Minotauro - ambos me servem e a ambos eu sirvo.

A derrocada de uma cultura clássica, e a emergência do grunhido digital tem momentos de Fenda Brilhante!

A histeria das explicações, de querer explicar tudo produziu legiões de adultos miniatura, cheios de razão.

Não valeria a pena dar um bom ácido aos ministros. Com LSD um criador de porcos sonha com porcos.

O Reino dos Porcos está entre nós, e como perceberam muito agudamente os Pink Flloyd, eles voam, tem asas, discurso e pasme-se poesia!

Exercício de Pranayama prático: tape uma narina com um jornal do governo (são todos), faça uma pausa dentro de si (verá que você se evaporou. E quem está lá dentro? Um Porco? Um Réptil? Um Yogi? Um Comissário?). Expire.

2008-09-27

Assomons les pauvres! Beat the poor!


http://www.piranesia.net/baudelaire/spleen/49assommons.html

A Modest Proposal for preventing the children of poor people in Ireland, from being a burden on their parents or country, and for making them benefici

A Modest Proposal: um dos textos mais vitriólicos de Swift em que a sátira em relação ao governo é exercida de modo sublime - para resolver a fome que grassa na Irlanda, devido ao excesso de população, Swift recomenda que se comam as criancinhas filhas de gente pobre.



http://www.thecore.nus.edu/victorian/previctorian/swift/modest.html


Imagem: Quadro de Sonia Delaunay provavelmente pintado em Portugal.
http://www.pearlab.com/fasvs/acessivel/temporaria.php?id=168

2008-09-25

DEAR PORKÊRA





No lugar do cérebro, e à sombra de um Pénis,
tem um manguito. Nacionalidade: confusilusa.
No peito, um coração bordado a bagaço,
e nos rins uma rotunda e uma praceta que

disparam chouriço em todas as direcções.
Bandeira dos pulmões: cor de caca,
a bater num cinturão de fados rascas
enquanto no umbigo sai a dizer cabrões!

uma cabeça de amoras, cheia de estevas,
onde faz ninho o vento, e rosna o cão.
E isto, esta coisa, esta criatura oblonga,

escreve discursos, venera bonecas brancas
como a de fátima, e depois de dizer cum
licença, arrota com pivete peidos e trancas

2008-09-24

A MÁQUINA E O DISCURSO



O Partido Socialista tem uma máquina bem oleada e um discurso bem oleoso.

2008-09-21

A VOZ ENCANITANTE DA MELGA POLÍITICA


Desde que os políticos deixaram de ler Shakespeare ou um dos seus leitores duplos, como Borges, as suas ficções não alimentam nenhum futuro, apenas produzem repetição.

A voz do actual primeiro ministro de Portugal mais do que um tratado de patologia, é um virus em acção - leva à surdez ou ao riso louco.

Donde sai essa voz? Da barca dos loucos de Peter Breughel? do tríptico de Hieronimous Bosch? Ou do nosso teatro de robertos interiores?

Mas o pior não é que essa voz fale, é que a alguém a ouça e tome como normativa.

Histérico-esganiçada seria uma descrição aceitável dessa voz, mas é mais: tem uma pequena dose de hipnotismo, e apoia-se na veia sarcástica primitiva, a que vem dos romanos.

Um músico diria que está fora de tom. Não há dúvida que está. Perigosamente rachada, é a voz própria do pregador fanático. Assim, com este tom, pregavam os monges que imitavam Savonarola. É a voz que atiça as fogueiras.

2008-09-20

Hai Kais para Rosas

Dedicado a Afrodite, a que traz alegria


não a lua nem a rosa
é a bomba de asma
quem me faz companhia


destilo um grão
de gato, depois
assobio sapatos


saco a naifa
jorram sílabas
no sangue da página

outra faca corta
o pescoço
dos sonetos

tumefacta explode
a tarde, e as oliveiras
dissolvem-se em estrelas

2008-09-17

GOG E SARAMAGOG: O GRÃO BRUFO BLOGA


Através deste «Caderno de Saramago», o escritor irá comentar acontecimentos, expressar opiniões, reflectir, comportando-se como um verdadeiro bloguer, conforme refere a sua Fundação. Alojado no site da Fundação José Saramago, o blogue foi inaugurado ...

ESTA Notícia respigada no site do Saramago é espantosa. Confirma que a geração espontânea de facto existe. A Fundação Saramago, dirigida pela operosa esposa do escriba, não duvida que o escritor que criou um blog - memorável e momentoso acontecimento de uma dificuldade e importância transcendental - se vai comportar como um verdadeiro blogger.

Aqui é que entra a geração
espontânea. Um tipo sem mais nem menos, num dia adormece escriba, no outro acorda blogger e verdadeiro. Dá-se uma caixa de aguarelas a uma pessoa que nunca pintou na vida, no dia seguinte a pessoa comporta-se como um verdadeiro pintor.

Há aqui uma confusão antropo-cibernética de primeiro grau. A de crer que a utlização de uma maquineta - no caso o computador ligado à rede - transforma imediatamente a pessoa num "verdadeiro" blogger. A maquineta, qual deus, confere de imediato a graça divina. A pessoa que no dia anterior não sabia nada de blogs, que não fazia a menor ideia dia sobre o que é um template ou um Html, de repente, por infusão divina da santíssima técnica, já se comporta como um "verdadeiro blogger". De um momento para outro adquiriu todas as competências.

De realçar a divisão do mundo dos bloggers em duas espécies: a dos "verdadeiros bloggers" no qual, logo à nascença se inclui o Saramago e a dos falsos. O papel dos verdadeiros bloggers, segundo a esposa, ou Fundação Saramago, é em 1º íssimo lugar comentar: "comentar acontecimentos."

Ou seja, isto faz do verdadeiro blogger um jornalista primário e secundário, um comentador. Inscreve os blogs verdadeiros na área do jornalismo de comentário. Esta deve ser uma das doenças infantis do bloguerismo em geral, pensar que são micro-jornais, e que o seu papel fundamental é comentar acontecimentos. Relega o bloguismo em geral para o papel da crítica e do comentário, e não para o da criatividade em si.

o 2º papel do blogger, segundo o Credo do blogger da doutíssima fundação, é expressar opiniões. Digamos que, da porteira ao talhante, passando pelas classes baixas e vis como a dos deputados, eclesiásticos, membros da ASAE e patrões e empregados de petrolíferas ou da construção civil, toda a gente passa a vida a expressar opiniões. Nada mais trivial que ter uma opinião e expressá-la. O blogger à la saramago, de facto inova.

o 3º papel do verdadeiro blogger segundo a pedagógica fundação é "reflectir". (ainda o homem não escreveu uma linha no seu blog já tem os mandamentos todos prontos sobre o que é um verdadeiro blogger. Já expressa a sua opinião. Já reflecte. Já tem o Credo do Blog. Dá a ideia que passou toda a vida a fazer seminários sobre blogs e a escrever no seu blog sobre a arte do blog.) Parece que os outros blogs não "reflectem." Este sim, vai reflectir.

O verbo reflectir aqui usado apontado para o próprio umbigo (verbo esse encontrado em nóveis objectos tipo grupos de reflexão) aponta logo para o espaço dos CCP ( Comendadores Catitas do Pensamento; escrevi isto antes de saber que A Lobo Antunes, foi typically feito Comendador.) Que o mundo português está cheio de Pachecos Pereiras que se aglomeram em "grupos de reflexão", que sisudos e graves, se reunem à roda daquelas mesas esquisitas da TV (diabo de mesas, aquelas em que os comentadores consentem em assentar os veneráveis cus, e sugerem fortemente uma reflexão anal colectiva ou uma defecação em família, de co-dependentes) não é novidade. Os padres do meu tempo incitavam-nos a nós jovens Melquisedeques, candidatos à santidade, a períodos de "reflexão cristã." O partido socialista, que é uma seita comunista dissidente de uma das famosas "Internacionais", acaba de fundar o seu grupo de "reflexão."(Res publica). Os insidiosos anos sessenta estão de volta! Nesses anos havia grupos de reflexão que nasciam como cogumelos. Hoje chamam-se "think-tanks", ontem grupos de reflexão. Cheiram ambos a sacristia.

Diga-se de passagem que os sacristas, nos tempo do triunfo da religião da técnica, são justamente encontráveis nas áreas que dizem respeito directa ou indirectamente à técnica. O sacrista dos nossos dias é hoje um técnico, que acredita no primado da Técnica sobre todas as coisas e, assim, para estes o blogger é um crente na técnica, através da qual comenta, expressa e reflecte. Vicious circle umbiguista e narciso perfeito a Técnica usa a Técnica para comentar a Técnica.

SONHOS TONTOS DOS ANOS SESSENTA, SÓCRATES RETOMA OS SONHOS DE MARCELLO CAETANO


Energia: Sócrates diz que está de regresso o sonho de Sines como potência petroquímica

Sines, 17 Set (Lusa) - O primeiro-ministro, José Sócrates, afirmou hoje que o actual clima de negócios em Portugal permite o regresso ao sonho (do final dos anos 60) de construir em Sines um dos maiores complexos petroquímicos do mundo.


JUSTAMENTE onde existiam as últimas praias não algarvizadas.

E ainda não se resolveu o actual problema de poluição que faz desta região umas das mais fedorentas do país, e que leva a problemas bronquio-pulmonares para todas os grupos etários.

José Sócrates falava no final da sessão que assinalou a ampliação do complexo petroquímico de Sines da Repsol, projecto de investimento avaliado em mil milhões de euros, que numa primeira fase criará 1500 postos de trabalho.

Lá vem a mania dos postos de trabalho.

O projecto de investimento deverá ser concretizado até 2011 e, numa segunda fase, criará cerca de 500 postos de trabalho permanentes

1000 vão para o caraças.

Após os discursos do presidente da Câmara de Sines, do ministro da Economia, Manuel Pinho, e do presidente da Repsol, Bru Fau,

Bru Fau, um Brufo.

Sócrates sublinhou a dimensão do investimento da petrolífera espanhola em Sines.

Pudera, não a querem lá. Quem quer grandes complexos petrolíferos ao pé de casa? Chuta-se para o quintal do vizinho.

"O conjunto de investimentos previstos para Sines nos próximos anos mostram que está de regresso o seu sonho de ter um dos maiores complexos petroquímicos do mundo"!, declarou..

Um sonho tonto e megalómano dos anos sessenta (um sonho salazarista-marcelista, de resto) , só sonhável por provincianos, executado por espanhóis, destinado a fazer plástico.


LISBOA REVISITADA



Em Portugal onde tudo é rasca, Lisboa é uma anomalia: rasquíssima, sórdida, suja, despintada, com carecas dos três sexos e de todas as idades, inúmeros barrigudos e bairros modernos decrépitos, em que o cimento abre racha ao terceiro dia, no entanto, de muitos pontos da cidade, mancha de muitos sinais, avista-se o rio.

O mísero, o grande Tejo entra pela cidade de todas as maneiras que pode. Às vezes, está entre um anúncio luminoso e uma roupa pendurada, toda amarrotada, outras mói uma das últimas bugainvílias ( quem terá plantado as bugainvílias em Lisboa: um secreto exército, de cara púrpura, uns anjos degradados e empoeirados?).

Entretanto, ninguém pára o rio. O seu papel é correr, furar, insinuar-se, tornar-se oblíquo, rasar, rasurar. Deve ser ele que escreve os nossos BIs, todos aldrabados, com a altura errada, uma cara de afogado, uma assinatura engomada e perfumada, esticada, a fazer-se importante, dado que não há gente nenhuma num BI, apenas água suja e vitoriosa, fermentada a barbatana.

As pedras da calçada - em tantos pontos desconexas, arrancadas, usadas para telegrafias estranhas, no fundo estão sempre em movimento. São uma teia, uma rede, uma net fabulosa sem o idiota do Sapo (que é uma rã porque os yuppies pálidos da tecnologia confundem uma mosca com um áptero, um mosquito com uma aranha, e uma rã com um sapo) que apanha as pessoas pelas solas.

Um Lisboeta no fundo o que é? Uma pessoa apanhada pelos interstícios da calçada. Não há saída, não há lápide, emblema, credo ou raça, ideologia ou coçeira, religião ou qualquer bufa semelhante, conta no banco, férias num resort exclusivo que o safem. As sinuosidades, os desvios, o espírito do labirinto insinuou-se pela planta dos pés. O ar pálido das fadistas doentias? puro calcário, pisaram muito a calçada. As promessas vãs dos políticos, o seu triunfalismo bacoco: pura pedra, pura calçada. E os que-andam-sempre-de-automóvel são cárie pura, sombras do Hades, já vogam como medusas astrais e assassinadas atrás e adiante dos anúncios apagados a cuspo.

E isso está certo com as fachadas a cair em vida, os vidros a desabar, o cheiro fortíssimo a metro combinado com peixe frito e sardinha assada. Mesmo o cheiro nauseoso das pizza houses, das hamburguer's houses, das sanduicherias anglo-coisas, dos McDonald e de todo o género de restaurantes back street que oferecem a turistas míseros fotografias tricoloridas de pratos que cheiram a plasticina, acaba por se combinar com o alecrim.

Nunca cheira bem, mas cheira sempre a Lisboa, a vasa do rio, a um lodo indeciso e antiquíssimo, a fenício desidratado, a judeu transviado. Há muito mais facas na liga no ar do que parece, as facas moles deste povo de hábitos e costumes pálidos que bate com a olheira nas coisas, que tem os burgueses mais tias do mundo, e os polícias mais sonâmbulos da Ibéria, que andam devagar e ralham devagar, e multam devagar, como se fossem o Jacques Brel da Valse à Douze Temps de 45 rotações passado a 33.

Os semáforos são luzes de natal. As luzes de Natal são semáforos. O rio dilui os signos fortes, contradiz as antinomias, liquefaz contradições. Julgar que se é independente do rio? Pois é uma cidade de mui graves e grandes fingimentos. Passa-se a vida a fingir que não somos destino daquelas águas, matéria daquele caldo primitivo. Mas em vão se passa o mais acanhado possível, de um para outro lado, de ponte, de barco, de automóvel, a assobiar para o lado, pretendendo que nada daquilo é connosco.

2008-09-16

SARAH PALIN CARA PÁLIDA


" The republican ideal of a political woman is a mommy?"


2008-09-15

THE CLAN DRUMMOND KAMIKAZES

DA ARTE DA INIMIZADE


É sempre melhor um bom inimigo do que um mau amigo, com o primeiro pode-se contar sempre.

Odeia-se mal em Portugal, aos sacões, com arrepelos, uma coisa muito convulsiva: nada daqueles ódios finos, frios e florentinos.

O ódio não é só um amor ao avesso, é também uma paixão intensificada.

A seguir ao amor vem o ódio. E como estamos em terra de amores mornos seguem-se mornos ódios.

Chocar de frente com o nosso inimigo e estender-lhe na mão uma bela bala branca? Geralmente neste país pacatinho, de espias e arroz doce, muda-se de passeio ao avistá-lo, e diz-se mal dele pelas costas.

O desporto nacional é a maledicência. Pelas costas, pela calada, durante horas saborosas.

Os republicanos dizem mal da monarquia, os monárquicos da república. Ambas continuam más e insanáveis. Há algo de podre em todas as instituições em Portugal, é certo. Só fomentam ódios moles.

Entre os ovos moles e os ódios moles não há grande diferença: ambos tem açúcar a a mais.

Nunca ninguém, das novas escritoras dos dois sexos, falou do amor com asco.

O instinto de amar tornou-se tão artificial como o de odiar. O melodrama, o arrebato palavroso, o sentimento de posse e um ciúme canino passam por amor aos olhos de milhões de portugueses, anões no sentimento e na vida própria.

Os grandes ódios também são pentecostais: elevam a alma até à região das grandes intensidades,

Pedro odiou nobremente e com paixão os três assasinos de Inês. Cada um teve um tratamento diferenciado, um assassinato com estilo. A um foi-lhe arrancado o coração pelas costas e comido...

Afonso Henriques terá odiado mais a mãe do que mais tarde os portugueses as terras de Espanhas.

Os amores infantis são actos de propriedade, os de ódio de furacão.

A terceira idade, a terceira idade! a maior parte da gente nem à primeira chegou.

A idolatria pela juventude envelheceu-a espantosamente.




Imagem: Garrafa de Glennfidich com um escocês vestido com um kilt do clan Drummond de Stobhall

2008-09-12

PUBLICIDADE IMPRÓPRIA


Continua-se a recomendar o uso e abuso do Pior Blog Nacional

Privilégios de Sísifo

(Prémio NãosseiKeh 2007, 2008)

escrito por um oligofrénico repelente que afirma:

Os Portugueses transferiram o Buraco do Cu para o Cérebro. Bem feita. Tem um país reflexo da mente que tem.

2008-09-11



Entrada Livre
33498-m

Exposição
National Catographic Magazine

Gatos. São provavelmente o mamífero mais difícil de pontapear. Mesmo os alérgicos àquele pêlo fino não conseguem evitar um ‘oohhhh’ de ternura perante um miar felpudo. Ainda assim, não há paciência para tanto focinho arredondado de orelhas em bico em sites, blogs, forums, fotologs e carteiras de donos. Susana Neves fartou-se. Inaugura agora a National Catographic Magazine, exposição de fotografia que pretende mostrar «como acabar de vez com a fotografia de gatos». São 14 fotografias macro (de pormenor) «sobre o corpo do gato enquanto paisagem». Nada de bichanos a sair de vasos cheios de flores. Deixem isso para a Anne Geddes. Francisco Marto

onde
Galeria Diferença | Rua S. Filipe Neri, 42 cave (ao Rato)
quando
De Ter a Sab das 15h às 20h
quanto
Entrada Livre








Tirado, com a devida vénia, do site da LE COOL, que relata os melhores eventos de
vanguarda em Amesterdão, Barcelona, Lisboa, Londres, Nova Iorque...

2008-09-10

A PRIMEIRA FIGURA


Na realidade o Presidente da República não serve para nada. Não fala, não comenta, nunca há matéria que lhe seja conveniente, e sobretudo não manda nem comanda - excepto aquelas irritaçõezinhas periódicas de cuspir um vetinho ou outro.
Não produz ideologia, nem filosofia. Não se lhe conhece um dito com piada ou com espírito. Dali não sai uma única ideia original. É uma daquelas ficções republicanas: uma figura que sopra vento e engole ar, e ainda por cima nem sequer é decorativo. Nem a sua cara metade, vestida de cortinado em permanência-
Imagine-se um jantar com S.Exa. Tudo ficaria em estado de prevenção alerta vermelho. Quando me atingirá um perdigoto?
Ou seja é um homem com o qual nem se pode jantar descansado, e que não sabe falar. Aquele enxerto de autoclismo na glote não deu resultado. Devia voltar às aulas de terapia da fala e deixar de fingir que é o Primeiro Senhor dos Portugueses, acompanhado da primeira Dama.
Só mesmo uma nação de abúlicos, de fastidiosos ressentidos, consente em ter uma pessoa assim à sua frente, melhor dito, à sua oblíqua.
Que fazer com aquilo? Deitar fora no vidrão? O vidrão enjoado vomitará uma descarga de vidrinho moído. No caixote do papelão?

RES PUBLICA


O Grande Ideólogo do Socialismo Português é o Anão-a-jacto, um homem de 1m 5...m, de altura, com um ar misto de duende e de gárgula de catedral, que dá pelo nome de António Vitorino. Como o que era notório - o deserto de pensamento - em que se estava a transformar o partido do Governo, sacudido pela pressão de ser pragmático - já estava a provocar estragos, decidiu-se criar - ó Grão Originalidade! - uma espécie de think-tank (estão na moda os finquetanques) chamado Res publica.

E isso co nome tão afonsocostiano é um melting pot, em que pêle-mêle, desde que esteja etiquetado "esquerda" tudo cabe. O Goebbels do Socialismo, Augusto dos Santos Silva, aquele homem que se vê sempre no Parlamento porque é Ministro dos Assuntos Parlamentares, diz que lá cabem:

“A esquerda democrática, o trabalhismo e a democracia liberal”

Ena. Blair, O SPD, e a ED.

Mas o Anão-a-jacto, Grão Ideólogo que está em todas diz que lá cabem:

“a esquerda moderna, o socialismo e a social-democracia”

Há uma esquerda antiga, cheia de esqueletos no armário. Abre-se e cai Lenine, Afonso Costa e Humberto Delgado e Norton de Matos; fecha-se e começam lá de dentro às punhadas à porta outros fantasmas que convem manter silenciados. No entanto, não há perigo, a porta está bem selada, porque agora há uma esquerda moderna, que também pode ser socialismo bem como também admite ser social-democracia. A definição é a abertura à indefinição. O socialismo torna-se assim num não socialismo, coisa muito zen.

enquanto se espera e se deseja com veemência que lá caiba:

“o centro-esquerda” do secretário-geral do PS, José Sócrates. Que é a versão mais diluída que é possível do Socialismo Antigo, da Esquerda Antiga. O centro-esquerda é o que se obtem por hidrólise e centrifugação do antigo Socialismo, ou seja está expurgado de hadrões da II Internacional, e instilado de hadrões spidadíssimos da XXXXV Internacional, detinados a entrar en choque com outros hadrões que vem em sentido contrário. A aceleração das partículas socialistas deu um Centrão- esquerdo, onde camaradas, cabe lá tudo.


Num apelo muito heart disse o Anão-a-jacto (anda a ler literatura New Age e muito livro de auto-ajuda da Maria José da Costa Félix, por certo):

“Escolham o termo mais próximo do vosso coração”, (how sweet) desde que norteados pelos valores da “liberdade, igualdade e solidariedade”, convidou Vitorino, o Grão Guru Ideólogo, fornecedor dos novos mantras ecléticos detinados a paralizar as massas, que digo, a Hadronizar as massas, e a acelerá-las umas contra as outras para eclosão do Big-Bang: o Socialismo Eterno.

E o homem que se tem destacado pela obstinação em ter um pensamento único afirma :
“O PS nunca foi um partido de pensamento único”, frisou Sócrates.

Vitorino começou por dizer que o novo grupo de reflexão quer contrariar a “pecha tipicamente portuguesa” (A pecha será a prima ou a mulher da picha?) de não existir “o hábito arreigado de formular políticas públicas ao longo do tempo”...

(Opa, há que arreigar habitos. O Anão-a-jacto acaba portanto de anunciar que arreigará. Outra coisa não se esperaria de um Anão-a-jacto. O arreigamento de hábitos. E esse arreigamento consiste em encontrar fórmulas para as políticas públicas ao longo do tempo. Ou seja, o Socialismo deseja a Eternidade.


O objectivo da nova fundação é promover “ideias que possam transformar-se em políticas”,

referiu o ex-comissário europeu, o nosso Anão-a-jacto.
Bem, como teria sido até aqui?, perguntará o leitor inquieto. As "ideias existiam, mas não se transformavam em políticas, só em políticos?" Agora, descanse, as ideias transformar-se-ão em políticas. Bem fazem falta, desde que sejam bonitas. Mas com pais daqueles teme-se o pior, ou seja, pura teratologia, mongolóidas, irmãs siamesas que não dizem olá com a mesma mão.

“Ligar acção e pensamento”, insistiu Sócrates. O que dará naturalmente a pensacção, o verdadeiro pensamento em acção. Ao contrário do acçamento, essa vil ideologia em que a acção precede o pensamento. E acrescentou o Ventríloquo-Mor, há que fazê-lo abrindo o espaço de debate político à sociedade civil – universidades, organizações não governamentais, especialistas independentes.

Note-se a composição ampla, o vastíssimo espectro, que segundo o sábio Visionário Sócrates é formada a sociedade civil - três pilares apenas: Universidades (que recebem massa do Estado), ONGS (idem) e especialistas independentes (que recebem massa de quem?)


Big problem here.
I suppose.

Imagem profética da res publica, da autoria de William Hogarth

Drummundaforismos


Conhecer os homens é evitar o seu convívio o mais possível, ou suportá-lo. A filosofia fez-se para nos ensinar a suportá-los, a poesia para os evitar.

Cada vez me aproximo mais do ponto em que não há diferenças senão de pormenor entre um cão e um poeta.

Sufoca-se o espírito dos eleitores com promessas de uma sociedade mais justa, melhor e mais rica, que nunca virá.

O público, essa entidade platónica querida dos media e dos governos, é um monstro cego que fala aos gritos.

O espirito do tempo é o castigo de quem não tem espírito: cabe aos curadores de museu, aos críticos literários.

As infelicidades são o que mais nos obriga a ser felizes.

Os homens vulgares não só falam como pensam aos gritos.

A democracia é um viveiro imenso de homens medianos

eu só por ser Homem sou completamente doido, além disso vivo num país apagado a borracha e a golpes de bulldozer.

Para o escaravelho Vénus é uma escaravelha.

Dizer tudo numa só frase? morte da literatura a crédito!

Não é por falta ou excesso de oráculos que deixou de haver mistérios.

Há mais raças mentais do que de pele.

Perdoar a uma pessoa por ela ter uma grande inteligência é sublime.

Os homens pequenos em geral são tiranetes.

As crianças não querem respostas, querem é novas perguntas.

A pedagogia é uma variante de canibalismo mental.

A Escola e o futebol tem atrofiado mais cabeças do que a Guilhotina e o Mau Absinto.

Eleições: se qualquer um dos candidatos é sempre mau não será porque ser candidato é que é mau?

Um bom poema tem sempre cem moscas por cima

Num país em que se considera justo "estar à coca", seria justo incrementar o gosto pelo microscópio.

Se um português não pode ser espia, sempre pode ser porteira.

Sobre Love, love: os namorados de Rabelais quando se apaixonam ficam aos peidos durante dois dias.

O Amor balbuciante, suspirante e anelante é uma patologia benévola que se assemelha a uma crise de asma menor.

As mulheres inventaram o amor para ver se inventavam os homens. Não conseguiram. O resultado são rádios cheias de canções de amor.

Todos os artistas pop tem um só sexo. De plástico.

Altura dos tempos: há mil filosofias, e nenhum filósofo.

O meu sorriso que te Binaca não é o mesmo que te Yoghurta.

Quando não se tem uma tradição literária, é porque não se está à altura da prosa.

No fundo quem não inventa toda a literatura não passa de um amador.

Depois de Deus criar o mundo, eu criei Deus e o mundo. Os teólogos é que falam doutro mundo.

Deus e eu somos como uma sala de cinema onde não há intervalo.

As pessoas que não podem viver sem sociedade são exactamente como as sociedades que não podem viver com pessoas.

Coragem! actualmente não há maus escritores em Portugal, há só medíocres.

É estranho que um medíocre a cores consiga eclipsar um génio monocromático, mas a Bosta do escaravelho eclipsa o escaravelho.

Os mosquitos são como as raivas, nunca desistem.

As pessoas são naturalmente más e egoístas, e só o temor da punição as impede de se matarem umas às outras.

2008-09-09

TOTOLÍMPICOS


Parece-me espúria a distinção entre Jogos Olímpicos e Paralímpicos, dado que a ambos concorrem atletas com deformidades físicas óbvias.

2008-09-07

INSTANTE EXPLÍCITO (A Entrevista)


Hoje na TV 1 , no Só Visto, uma actriz francesa que foi famosa e hoje é produzida por Paulo Branco Produções foi entrevistada. Veio a Lisboa à procura de actores portugueses. Disse que os portugueses tinham rostos fortes, ao mesmo tempo europeus e estrangeiros. Ou seja, um rosto periférico ao da Europa, quiçá mais tosco, mais vernáculo, ainda não cinzelado de todo pela civilização e pelo comfort.

Era uma ideia interessante. Mas o estranho da entrevista é que a entrevistadora portuguesa a entrevistava em inglês (técnico). O que revela como o francês se tornou uma língua exótica, e como é impossível encontrar uma locutora com menos de 30 anos que a fale. Impensável há uns 30 anos atrás, perfeitamente normal, hoje. E très regrettable, acrescento. A actual barbárie anglo-saxónica de facto é a língua da globalização, a francesa era a da civilização.



Foto de Schrodinger: como se vê tinha o o sorriso do gato de Cheshire, um gato roubado a Pantagruel por um presbítero meio perverso.


que os deuses nos livrem de sermos um escritor famoso, com groupies a beberem cada frase, e locutores ou escrevinhadores ratés a puxarem-nos o lustre ao bigode, quer em Caixa Alta ou Rodapé. Ou de ser célebre porque aparecemos em S.Paulo, essa villa imensa em altura, que cabe dentro de uma ervilha literária.
Nada mais funesto do que ter um prémio, do que ser um escritor premiado. Via mais rápida para o estado bibelot e traça velha, com decote na asa. Ou forma de cadaverização em vida. Mas deixemos os Excelentíssimos Cadáveres nas suas molduras, a receber beijos de bronze de Presidentes e outros senilossaúrios com gota, saliva a mais na gosma e traqueia artrítica. Outra coisa nos preocupa.
O Estado do Nevoeiro, por exemplo. Queremos lá saber da humanidade, de Ferreira de Castro ou das preocupações sociais do Saramago. A única Crise da metafísica é para começar alguém ter inventado essa palavra. O problema do filósofo grego foi não ter gelo à altura da sua cicuta, de resto estava Faisable, razoavelmente faisandée, sabia vagamente a Resina e a uma tarde alegre com gimnosofistas bem bebidos, já com um pé na dança, em vez de com um pé no Testamento, Antigo ou Novo.
Seja como for revejamos os diversos Grandes Catatuas literários do momento:
O Grande Crocodilo Papa Prémios
O Grande Crocodilo Já com a Pata no Caixão
O Grande Crocodilo Eu Nunca Dou Entrevistas a Cifúlios nem a Obíneos
A Grande Crocodila da Grécia Eterna Revisitada no Algarve Cerúleo
O Grande Crocodilo Homoatleta do Nuorte
e o Grande Crocodilo Homoatelta do Sul ambos enfiteutas de André Gide ou André Guido, homem de barbas e post-careca

A nós que inventámos o Nevoeiro Lógico matemático preocupa-nos a Treva Luminosa da Manhã

2008-09-03

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2008-09-02

A ÁGUA DA TORNEIRA EM LISBOA


Dizia Giacomo Casanova que as cidades que ficam junto da água são muito mais libertinas do que todas as outras. Dava algumas razões vagas, heraclitianas- as águas e a libertinagem são impermanentes. Sem querer desafiar o ilustre libertino, eu diria que as águas são uma "fausse naive", de aspecto cândido e dignas de entrarem no balouço, ao lado de uma delicada menina de Watteaul, que anda nos ares pendurada de um sólido carvalho, com vista sobre um bosque de mimosas. Mas o meu tema agora é menos elevado, mais prosaico. Queria falar das águas de Lisboa, justamente as que saiem da torneira.
Mas, primeiro, um pouco de história, brevíssima, para não maçar os arcanos do blog, das águas de Lisboa. Ulisses, o mítico fundador da cidade, teve a sorte dos principiantes. Tenho imensa inveja da sua chegada a Lisboa. Golfinhos saltavam alegremente pelo estuário. Duraram até aos anos cinquenta. Camoens viu-os aos magotes, o Camoens atento às aguas que em relação ao Tejo não hesitou em descrevê-lo como o claro, e ledo rio.
À chegada a Lisboa, que ainda não era assim chamada, e era só colinas desabitadas, com umas vagas cabanas de pescadores na orla, Ulisses, inclinou-se sobre a amurada e com a mão em concha bebeu directamente do rio. Depois ao levantar o olhar viu um estuário que tinha uma curiosa cor dourada. Havia praias nas duas margens do rio. Bocage, o poeta satírico, caústico senhor de uma rudeza vitriólica cuja imagem que por uma ironia da história apareceu duarnte dez anos nos pacotes de acúcar dos cafés, fala da praia de Chelas...
Entretanto, no tempo de Ulissses ainda não tinham chegado os garimpeiros fenícios, esses pré-burgueses, mercantilistas e traficantes ávidos, os primeiros predadores de Lisboa. As praias tinham ouro fino, em barda. O ouro, os seus reflexos, douravam o ar. Apetece recuperar uma das expressões típicas do poeta que via as cores do ar, Mário de Sá-Carneiro que falava em êxtase morfínico do ar irisado. Maravilhoso tempo em que se falava sem pudor das irizações que electrizam o horizonte. Mas deixemo-nos de arqueologia literária. Ficou explícita a claridade do rio,doutros tempos de ares mais puros e leves, uma claridade alegre que comunicava com a pureza das águas. E bandos de golfinhos, em vez de garrafinhas de plástico espanhol a boiar entre jornais espectrais abertos na página dos mortos. E não havia redes de esgotos a defecar no rio.

Ma isto de ter memórias literárias e históricas avivadas e operativas é uma benção e uma maldição. Lembrando-nos do passado, parece que os tempos banais, os nossos, "demoi", sem elegância que vivemos, tornam tudo apoético. Poder-se-ia dizer que a função essencial da sociedade em que triunfaram os valores económicos sobre os aristocráticos é a apoesia. E isso porque a arte não tem utilidade nenhuma, a poesia não tem valor. Mas isto por aqui ia longe, e eu só quero falar da água da torneira de Lisboa.

Da última vez que bebi um copo de água da torneira em Lisboa ia tendo duas paragens: uma cardíaca de tipo experimental, e uma paragem de memória. Sabia tão mal! Passava de certeza em todos os testes da ASAE, devia ser bacteriologicamente pura. Expurgada de triliões de cílios vibratórios, tratada com não sei que cloros ou quejandos, vinha por tubos de alumínio ou de plástico, caía no copo, e da água só tinha a aparência.

O estudo dos "simulacra" ocupou bastante os filósofos pré e pós eleatas. Mas o que é novo na arte dos simulacra modernos, é que se faça o simulacra a partir da matéria real. Obra portentosa, digna de um Dr. Jekill, de um Fausto de Caneças, a da EPAL (Empresa Pública das Águas de Lisboa). A veneranda companhia que tem a responsabilidade biológica e cívica de nos hidratar transformou a água real em fantasma! em simulacra!
Como sou dado à indagação divagante e permanente, a única aquática, de resto, pensei mesmo se o problema de etilismo brutal de Lisboa não seria devido ao péssimo sabor das águas de Lisboa. Contrapor-me-ão que na nossa sociedade de oferta múltipla e neo-liberal sempre existe a água engarrafada! Mas a isso eu também contraponho que toda a água engarrafada em plástico sabe inequivocamente a plástico, lato e translato. O que eu acho é que o plástico, que goza das virtudes herméticas de um produto alquímico, é um falso material inodoro. Tem cheiro. Comunica esse cheiro às substâncias que envolve. Além disso, mata a água. Mata-lhe o animus, o spiritus, a vibração, a ideia e a essência. Plastic people é uma expressão fantástica e justa que denota com toda precisão uma sociedade que tornou o plástico num elemento totalitário.


Enquanto a História é feita por lunáticos, a História recente é escrita por jornalistas. Uma combinação letal que nos dá uma representação do mundo do mais "biaisé", enviesado e irrreal que é possível. Sentar-se no escritório, e com a calma de Tito Lívio, historiador romano dos tempos AC, contemplar dois séculos já passados não é aceitável agora, porque há pressa em compreender o presente, digeri-lo, torná-lo claro. Mas esta tentação da claridade imediata dá maus resultados: a História absolutamente mediatizada e os media historificados.