/* PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力: 2007-11

PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO 反对 一 切 現代性に対して - 風想像力

LES PRIVILÉGES DE SISYPHE - SISYPHUS'PRIVILEGES - LOS PRIVILÉGIOS DE SÍSIFO - 風想像力 CONTRA CONTRE AGAINST MODERNISM Gegen Modernität CONTRA LA MODERNITÁ E FALSO CAVIARE SAIAM DA AUTOESTRADA FLY WITH WHOMEVER YOU CAN SORTEZ DE LA QUEUE Contra Tudo : De la Musique Avant Toute Chose: le Retour de la Poèsie comme Seule Connaissance ou La Solitude Extréme du Dandy Ibérique - Ensaios de uma Altermodernidade すべてに対して

2007-11-30

Agradecem-se sugestões

para um cemitério de copos

de plástico



2007-11-28

LEIAM ISTO E DIVULGUEM POR TODA A PARTE

Por "António Barreto"

A MEIA DÚZIA DE LAVRADORES que comercializam directamente os seus produtos e que sobreviveram aos centros comerciais ou às grandes superfícies vai agora ser eliminada sumariamente. Os proprietários de restaurantes caseiros que sobram, e vivem no mesmo prédio em que trabalham, preparam-se, depois da chegada da "fast food", para fechar portas e mudar de vida.

Os cozinheiros que faziam a domicílio pratos e "petiscos", a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente, aos cafés e restaurantes do bairro, sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.

A SOLUÇÃO FINAL vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, quem não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado.

Estes exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm Estado-maior em Bruxelas e regulam-se
pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do Ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais da gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.

EM FRENTE À FACULDADE onde dou aulas, há dois ou três cafés onde os estudantes, nos intervalos, bebem uns copos, conversam, namoram e jogam às cartas ou ao dominó. Acabou! É proibido jogar! Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico. Vender, nas praias ou nas romarias, bolas de Berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido.

Nas feiras e nos mercados, tanto em Lisboa e Porto, como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos.

Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Acabou. É proibido. Embrulhar castanhas assadas em papel de jornal? Proibido.

Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido. Usar, na mesa do restaurante, um galheteiro para o azeite e o vinagre é proibido. Tem de ser garrafas especialmente preparadas.
Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.

Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido.
Ir a casa buscar duas folhas de alface, um prato de sopa e umas fatias de fiambre
para servir uma refeição ligeira a um cliente apressado? Proibido.

Vender bolos, empadas, rissóis, merendas e croquetes caseiros é proibido. Só industriais.
É proibido ter pão congelado para uma emergência: só em arcas especiais e com fornos de descongelação especiais, aliás caríssimos. Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.

AS REGRAS, cujo não cumprimento leva a multas pesadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever. Nas prateleiras, diante das garrafas de Coca-Cola e de vinho tinto tem de haver etiquetas a dizer Coca-Cola e vinho tinto. Na cozinha, tem de haver uma faca de cor diferente para cada género.
Não pode haver cruzamento de circuitos e de géneros: não se pode cortar cebola na mesma mesa em que se fazem tostas mistas.

No frigorífico, tem de haver sempre uma caixa com uma etiqueta "produto não válido", mesmo que esteja vazia. Cada vez que se corta uma fatia de fiambre ou de queijo para uma sanduíche, tem de se colar uma etiqueta e inscrever a data e a hora dessa operação. Não se pode guardar pão para, ao fim de vários dias, fazer torradas ou açorda. Aproveitar outras sobras para confeccionar rissóis ou croquetes? Proibido.

Flores naturais nas mesas ou no balcão? Proibido. Têm de ser de plástico, papel ou tecido. Torneiras de abrir e fechar à mão, como sempre se fizeram? Proibido. As torneiras nas cozinhas devem ser de abrir ao pé, ao cotovelo ou com célula fotoeléctrica. As temperaturas do ambiente, no café, têm de ser medidas duas vezes por dia e devidamente registadas.

As temperaturas dos frigoríficos e das arcas têm de ser medidas três vezes por dia, registadas em folhas especiais e assinadas pelo funcionário certificado. Usar colheres de pau para cozinhar, tratar da sopa ou dos fritos? Proibido. Tem de ser de plástico ou de aço. Cortar tomate, couve, batata e outros legumes? Sim, pode ser. Desde que seja com facas de cores diferentes, em locais apropriados das mesas e das bancas, tendo o cuidado de fazer sempre uma etiqueta com a data e a hora do corte.

O dono do restaurante vai de vez em quando abastecer-se aos mercados e leva o seu próprio carro para transportar uns queijos, uns pacotes de leite e uns ovos? Proibido. Tem de ser em carros refrigerados.

TUDO ISTO, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro.

«Retrato da Semana» - «Público» de 25 de Novembro de 2007"

A

EMPRESTA-ME A TUA GÁRGULA


Empresta-me a tua gárgula
não quero saber da tua mota
empresta-me a tua gárgula
dá-lhe um nó na cornadura
que eu deito fora a gravata

não quero saber
do teu cartão multibanco
nem se tu mereces
os teus cabelos de um ruivo reles
se a vida é selvagem?

só na telenøvela. Anda vem
prá vida ruim, sem TV a cores
sem o elegante e dinâmico
electrodoméstico nem carrão
de vidro fumado à porta

vem, sem o luxo urbano
do ar condicionado
empresta-me a tua gárgula
pinga-chuva maculada
com ar de peste trocista

em fuga do Natal bem oleado
e da maior árvore de Natal do Porto

JORNALOFAGIA

Bem temperado um jornal ainda sabe a porco cru, pondo-se de molho fermenta em pouco tempo e do seu terminal saiem frases deste teor:

Um jornal é como um penico só se vê lá o que lá se deposita


E apesar de tudo ainda há uma grande jornalofagia, em estado bastante de Egolalia

Ninguém lê jornais mas ler um jornal que ninguém lê é duplamente maZZZZoca

(sado - mazzzoca)



Ass. Raimundo.sempre-à-coca






Sêlo do VI Império



2007-11-27

HIPERPOEMA

De pé na rocha inglesa,
atiro os meus sapatos
contra a boca do dragão
e chamo o nevoeiro
e para ver tudo isto
chamo o Lobo e a Águia
sou o fazedor dø Hiperpoema
sou o fazedor do Hiper poema
Sou o fazedor do hiperpoema
sou o fazedor do hiperpoema
sou o fazedør do hiperpoema

la´no fundo dø vale
não quero mais a verde agonia
levanto a minha bandeira
de carne sangrenta
e chamo o nevoeiro do mundo
o nevoeiro de metade do mundo
comemos o bife do dragão com febras
comemes o bife do dragão com febras
sou o fazedor do hiperpoema

ornamento do céu ornamento do céu
não quero ser não quero ser

PORTVUGAL Porreirinho


Se vem na
TV é imPortante e Tem que se Resolver

se não vem é porque
não existe nem sequer é real


RESULTADO: em vez de COrnos temos AnTenas na Cabeça, no Cu, Tronco e Membros


Mas Coragem, o
Lavado Mentaldinheiro!


Tenha um dia positivo
no seu
PARKING

veja-se ao
espelho no asfalto

porque
você merece

hin ho

O Outro Lado do Dia

é onde



todo o verde Faz um


ERRO ENORME

2007-11-26




Clicar na imagem para aumentar

Vivamente recomenda-se. A continuação de uma iniciativa que irá certamente contribuir para mudar a face do cinema e da maneira de ver e de fazer cinema.

2007-11-25

O MEU PAI

Hoje mal vejo o meu pai
perdi o timbre e o barro
dilui-se o céu do seu olhar
no copo de vinho
avistava-o entre volumes de velas
de barcos antigos
na tarde caíam folhas como livros
e sabia que era ele a sorrir
atrás da lua

franzino frágil podia ter passado
na vida de perfil
num sem ruído de fénix chim
com as suas alpargatas gallegas
e o som da sua vitrola
a tocar la Caballería
Rusticana

poentes de bico tucano!
cavalos frementes de Las Pampas
lembro-me do meu pai
a cavalo entrando num conto
argentino com facas e brilhos
de lua, fogueiras e o aroma
pungente do mate

morremos meio por distração
diante de uma bala tensa
meio por chacota - lembro-me
do som do seu machado sobre a lenha
de movimentos inesperados
das velas, da cor profunda
do Leme e do salto para outra nuvem
de um golfinho em Punta Del Este

2007-11-21

FALSOGRAFIA 3


Não há Destino que não seja pura invenção - Lord Drummond

FALSOGRAFIA DE LUÍS VAZ DE C AMOENS

Contrariamente a tudo o que os seus pios biógrafos, Jorge de Sena incluído, dele dizem, a verdade é que Luís Vaz de Camoens (era assim que ele escrevia o seu nome antes de dezenas de gerações de reformadores ortográficos terem passado pelos livros de genealogia) foi para a Índia fumar ganja. Fez muito bem, porque o maravilhoso produto, (descripto e experimentado pelo único botanista credível da altura, o judeu Garcia de Orta), de efeitos mais surpreendente do que o álcool, não existia no falso rectângulo, onde tudo com o tempo, em falsa forma geométrica se traslada. Ou então acaba em bilros ou filigrana, mormente em chouriço ou empada. Mas adelante, como dizia o rei Humberto de Sabóia, na sua noite de núpcias. Não estamos aqui para nos divertir.
O maior vate da Portugalidade, que era de origem espanhola, em Goa tomou logo os caminhos que melhor conhecia. Os do bordel, onde havia mulherzinhas com pinta vermelha na testa, e os da taverna, onde se misturava vinho com pólvora, porque ainda eram tempos de marinharia rija, e não havia delicadezas italianas como o vermute, ou transcrições fonéticas atenuadas como a "poncha".
O Vice-Rei da altura, ao saber que tinha um Bocage no território ficou algo alarmado. Caiu-lhe um pêlo da barba ao saber que o vate desafiara em duelo metade dos seus fidalgos e que os marcara na cara, no braço e em outras regiões pudendas, com a marca do Zorro. O Z dos Camoens de faca na liga. Diante disso o Viso-rei tomou providências. Chamou os padres, os nossos e os deles, os brámanes. Os nossos foram buscar um osso verdadeiro, meio podre, de São Franciso de Xavier que estava num relicário de vidro na Sé de Pangim e com ele em riste exorcizaram a casa palhoça, com um terreiro de estrume de vaca seca à frente, onde Camoens vivia com dez mulherzinhas de pinta vermelha na testa e um servidor chamado Jau. Os brâmanes passaram um dia e uma noite a queimar pivetes, e a dizer mantras de mil palavras.
Porém, no dia seguinte, Camoens apareceu à porta, fresco que nem uma alface, com aquele sorriso franco, alegre e descontraído que dão os bons orgasmos internacionais, e saudou a todos com um risonho e sonoro:VF! (Vão-se Foder!). Os padres, os nossos e os deles, fugiram em debandada. Cristo e Krishna não tinham valido de nada. Na fuga, deixaram cair o verdadeiro braço de São Francisco de Xavier, que foi apanhado por um cão, que o levou na boca perseguido por uma série infinita de cães famélicos, por agentes do Vaticano incógnitos, por rapazes esqueléticos que sobem às palmeiras e de lá de cima atiram mensagens de amor às mulherzinhas com pintas vermelhas na testa, por eunucos desapalavrados e desempregados que correm atrás de tudo o que se mexe, por esbirros venezianos à cata de relíquias, por sequazes de Baco furiosos com este novo vício do poeta, a ganja, por coortes de párias sem dentes, por todas as beatas de Goa com as mãos pintadas com complexos desenhos a henna, e enfim pelo sobrinho alucinado do próprio Vice-Rei, com uns grandes olhos tristes e portugueses cheios de fado. Mas o cão não largava a presa. Soltava uns rosnados ferozes, e ia aproveitando para dar umas dentadas. Pois naqueles climas hediondos a fome aperta sempre, e há que roer a toda a hora o que quer que seja, quanto mais não seja para entreter a moenga.
O grupo dos perseguidores ia, portanto, emagrecendo e destilando. Um franciscano de pés descalços que corria mais do que os outros aproximava-se, no entanto. Ao lado dele, corria um faquir, um monhé de olhos amendoados cheios de noz moscada, outro excelso produto, igualmente descripto pelo hebraico Garcia de Orta, que dá visões de Brahma a chupar no dedo gordo do pé e de resto pontos de vista de grande claridade sobre o Grande Vazio (Maha Shunyata) donde tudo vem e para onde tudo vai.
Ganda Vide, Ganda Vazio, bué! gritou alegremente o secretário de Camoens, um jovem arruiviscado, de olho verde selvático, um tal Drumas, oriundo de uma família provinda de Mauritz, húngaro princeps, com raízes no próprio e abençoado Átila, guru e grão mestre dos Hunos, a única gente decente que a Ásia, em séculos de adormecido opiário contínuo produziu.
Mas então deu-se um golpe de teatro, daqueles em que a história é pródiga. Ao passar por uma ponte de lianas, o cão embateu com a queixada numa lança, e o osso de São Francisco caiu para o rio, onde foi apanhado por um crocodilo. O jovem Drumas disse ao Franciscano, irmão Benedito, está é a tua ocasião de conquistar a Palma do martírio, atira-te, ou atira o teu braço. O Franciscano nem hesitou, desatou à dentada ao seu ombro, que era magro e rijo, e em pouco tempo tinha arrancado o próprio braço, que atirou ao crocodilo. Este, entre carne podre e fresca, não se fez rogado. Cuspiu logo o braço podre do santo, e começou às dentadas ao braço de carne fresca do franciscano, que ainda pingava sangue, o qual embora denotasse in substantiae um certo mau gosto a padre-nossos empastelados, sempre sabia a qualquer coisa.


Imagem: Armas dos Lançon

2007-11-20

Os políticos que mandam jovens combater numa qualquer das frentes globais - o mundo agora é um teatro global - são todos Ladies McBeth: por mais que as esfreguem o sangue não lhes sai das mãos

O COMPLEXO DE SÍSIFO


Fragmento de conto dedicado a S. McConnor Trois Fois Fay



Quando o pastor McConnely me deu uma chapada por eu ter desenhado um par de mamas sobre um santinho de missal que representava Nossa Senhora, eu levantei-me e mordi-lhe as canelas. Seguiu-se uma luta suja, com ele a dar-me caldos e eu a tentar-mordê-lo onde realmente lhe doesse, nos tomates, mas ele estava a demolir-me com murros de mão fechada na cabeça, e certamente iria levar a melhor, dos meus doze anos, construídos a doses de porridge e de arenque fumado. Mas aconteceu o inesperado, dir-se-ia mesmo, o miraculoso. A estátua de São João Evangelista, de madeira policromada, caiu-lhe em cima das careca, e pô-lo KO.
Tudo isto se passava na sacristia da Capela de São Sebastião, em Kilkenny, uma zona horrível, pobre, suja, cinzenta e amaldiçoada da Irlanda, para onde eu fora degredado pelo meu avô materno, Connan McDermot, chefe do clan dos McDermot. O meu avô, um homem anguloso e terrível, de suíças clássicas, olho azul mais frio que o diabo, achara que eu devia ser mais catequizado para mais tarde poder cruzar as armas dos McDermot, com as do meu clan, os Drummond, além de herdar
o seu viscondado de juro e de herdade.
O pastor McConnely caiu que nem um cepo, e com tanto azar para ele, sorte para mim, que embateu com a cabeça no ângulo de pedra viva de um degrau. Um fio de sangue cheio de pquenas lagartixas negras começou a sair-lhe da boca, que cheirava a arenque fumado e cerveja barata. Os meus colegas olharam para mim num misto de admiração e reprovação. Eu gritei : Gang Warily! o velho grito de guerra dos Drummonds e preparava-me para lhe dar um pontapé numa das órbitas. Mas Tim-Tim, o meu único amigo segurou-me e disse-me. "Saperlipopette, não sujes a biqueira dos teus sapatos nessa bodega!"
Eu apontei~lhe as lagartixas negras que se dirigiam para o altar. mas Tim.Tim disse-me em voz baixa. "Não te confundas com visões baratas."

QUATRO DOS SETE PECADOS CAPITAIS





da BÍBLIA DO HEDONISTA,
escripta por Lord Miguel Drummond


Extracto dos Sete Pecados Capitais do Urbanita

Atelevisívia
: não ver televisão
Atelemobílía: não usar telemóvel
Anautismo: não andar de automóvel
Imultília: não usar cartão multibanco


2007-11-19

FALSOGRAFIAS 2


Falsografia de Florbela Espanca

Esta poetisa alentejana, Florbela Espanca que fazia como toda a gente - vivia num subúrbio - escreveu um verso memorável: cada mulher tem 18.000 corpos e está enterrada no Mosteiro dos Jerónimos. Tiveram que pôr duas toneladas de pedra por cima do túmulo, feito por um daqueles escultores da Casa Pia - só há destes em Portugal - porque ela já de lá saíra um ror de vezes, sempre indignada, prometendo ir à tromba a todos os seus editores e intérpretes. Da última vez que saiu da tumba, com o xaile em chamas e uns olhos ultavioleta (um dos seus dezoito mil corpos, naturalmente) foi directamente ter com um homem dos seguros chamado Vasco Desgraça Moura, e puxou-o pelos bigodes para dentro do seu túmulo, e depois de vestir o seu fato de linho branco, chapéu panamá e monóculo foi vista em vários bordéis da cidade do Porto onde escreveu "é no Bordel que tudo Voa, é lá que tudo existe".
Depois foi para freira num Castelo no Além, que nem sequer era muito Além, pois de facto estava sediado na Bulménia, aonde há imensas mercearias portuguesas. Na naite, atacava marçanos baixotes e com borbulhas, que a seguir se transformavam em princesas de telenovela portuguesa contemporânea, que diziam coisas profundas como "ercuto" e "flatulência."
Desesperado, por não a ver a assistir aos seus desfiles de moda, o primeiro ministro da altura, um desses quaisquer descartáveis que volta e meia nos dizem que é o PM desta Choça Palhaça, decorou as suas Obras Completas, Publicadas na Editora A Língua Leve, e em vez de discursar lia as suas poesias, mesmo quando tinha um nariz de um quilómetro (era daqueles Pinoquio a quem por cada mentira cresce o apêndice nasal). Seja como for, a partir daí ganhou todas as eleições.
Agora quando se ouve o seu nome, toda a gente chora. Vivemos num país em que não é preciso ler os poetas, basta chorá-los.





FALSOGRAFIAS


Inicio uma série de falsas biografias com a Falsografia de FPessoa.


Fernando Pessoa espancava a mulher diariamente, e as namoradas também. De resto, nunca lavava o bigode. Ansioso por um lugar no Panteão Nacional, no braço tinha um buraco por onde se via a protuberância do osso Úmero. E assim se vê que não era por acaso que no colégio, em Durban, uma cidade horrível na África do Sul cheia de madeirenses vilões e de brancos de segunda classe, lhe chamavam o Úmero.
Entregou-se a aturados estudos de Astroginecologia, que o levaram à conclusão que havia 33 planetas que lhe pertenciam no nosso sistema solar.
Era de origem assíria e levantina. O pai dele era proxeneta numa linha de vapores que fazia o tour do Mediterrâneo, a mãe era irmã de uma filha bastarda ou de uma filha batarda do antepenúltimo Rei de Portugal.
Em casa dele viam-se pendurados os crânios ressequidos de vários esoteristas portugueses, como Bandarra, Pe. António Vieira e eng. Garcia de Orta. No tecto dessa sua mansarda, que imitava a Via Láctea, graças a engenhosos potes de iogurte iluminados com fluoreto e magnésia bisurada estava escrita esta frase em letra fluorescente: 33 Impérios do Fernando. Tinha uma gaiola enorme lá em casa onde metia retardatários do Império, gente vil como António Sardinha & outros que também cheiravam a peixe.
Um dia levou para casa um tonel de vinho e obrigou a mulher a dormir lá dentro. À noite atirava para dentro do tonel poemas e poetas escritos em caligrafia violeta. Ela ia ficando cada vez mais verde. Na realidade, acabou por arborizar-se por completo e em cada ramo tinha pendurados uma série de Fernandinhos, que ele colhia e depois descascava, para de seguida os atirar para cima da página, chamando-lhes carinhosamente heterónimos.

SEBASTIANISMO REVISTO

Todos os homens que tem saudades de D. Sebastião são D. Sebastião diante do deserto

Um só gesto de espada acende fogueiras para séculos

A literatura anula e inicia todos os mitos, por isso ela é dispensável

Vivi pouco, cavalguei demasiado

No fundo trouxe comigo, a flor da juventude de Portugal, mais de duzentos moços-fidalgos todos com as suas guitarras, e ofereci-os às areias sem fim de Marrocos - só as areias são lendárias, não tivessem elas pó de estrela, a sílica que tudo regista

A noite nunca diz nada e a eternidade é muda, mas periodicamente partimos ao assalto delas, com um secreto brilho nos olhos

os heróis dos romances, porque a vida é uma mentira partilhada, são sempre mais verdadeiros do que os outros que os mares e os húmus tragam

as catedrais amam as simetrias e as filas paralelas de bancos corridos, não assim as ondas

depois de uma grande desastre militar as lágrimas amargas das mulheres amaldiçoam as vinhas

quanto mais quis mergulhar no esquecimento mais a glória me rodeou, mas evitei o seu abraço de ouro desaparecendo periodicamente

um homem do último ouro não deixa pégadas e muito menos marcas

eu desfiz-me como a Fénix que triunfa

há um momento em que todo o brilho é treva ardente

a asa de uma águia, depois dos estandartes queimados, leva-me ao ponto seguinte do Monte das Transformações












2007-11-18

Maurice Blanchot (1907-2003)

Mais nous devons aussi admettre que la littérature, actuellement du moins encore, constitue non seulement une expérience propre, mais une expérience fondamentale, mettant tout en cause, y compris elle-même, y compris la dialectique (...) l'art est contestation infinie.

Maurice Blanchot


collection S et G. Hansel
provenant du Nouvel Observateur du 27 février 2003


2007-11-16


As pessoas que não sabem andar a pé também não sabem andar de automóvel

DIZ-ME COMO ANDAS NO MUNDO: A SEXOCICLETA ou THE MACHINE MESSIAH STRIKES AGAIN


Porque andas de bicicleta?
Porque é muito mais sexy do que um automóvel!


Porque andas de automóvel?
Porque estou amarrado às estradas por mil fios

Porque andas no mundo?
Porque no céu só havia milhares e milhares de automóveis





2007-11-15

O QUE NÃO SE DISSE NO CAFÉ


Todos os objectos modernos sem excepção são fósseis rápidos, por isso vou coleccionando telefones cheios de fios dos anos cinquenta e sessenta do século passado.

2007-11-13

O QUE NÃO SE DISSE NO CAFÉ

Estava eu a comentar com um amigo que os melhores poemas muitas vezes provem de um deslize ou de uma derrapagem involuntária da atenção, por exemplo, de uma pequena frase que se leu mal como hoje me tinha acontecido ao ler The Halves of the Wolfs em vez de The Halves of the Wholes (tradução de um título de um poema do célebre poeta sufi, chamado Rumi.) E eu argumentava que logo de imediato a frase The Halves of the Wholes dá-nos entrada num território que espero nunca me será familiar, o da anomalia, o da fenda no significante - a pura inesperada e "joyeuse" deriva do significante. Faz-nos entrar em distopia, e essa é a terra para sempre incógnita onde se move o poema.

NOTE BOOK DE HAI KAIS DESENROLADOS EM NOITES NO ALENTEJO


O limão sobre o muro de cal
e reflexos de lua, alfange ideal,
sobre os olhos calmos da gata

poços de estrelas na noite alta
há muito mais sombras no vento
agora que é a hora dos mochos

seguiu-me uma rapoza quando subi
pela colina até à poterna do castelo
ela também sabe de açoteias e lugares de brilho

o que agita as canas o mesmo o faz
à mente, de resto somos seres breves
separados pela eternidade

de dia as sirenes dos bombeiros lançaram
um piscar de olho à coluna de fogo
agora de noite lançam-se em banhos estrelinos

eu estrangeiro em todo o lugar abro
com o maior cuidado as portas dos bosques
depois entro pela chave dos pássaros adormecidos

que bom ver devagar uma princesa de braços
estendidos como um barco a entrar no roseiral
de noite todas as sombras criam

o ar vivo bebe os pulmões e eu como um bandido
lambo o mel por um punhal - havias de ver
as vespas que caiem de detrás da lua

saibamos endoidecer os dias e as pontes depois
do pesadelo - os dias mais claros tem no centro
uma mancha escura, como as mulheres vivas

O PÁSSARO QUE CRESCE DENTRO DA FONTE


Toda a pintura é abstracta
e toda a abstraccão é realista

entretanto o surrealista pintado pela Chaga do Alto Anominato passa
e entra dentro do Pássaro que Cresce Dentro da Fonte



Do livro a publicar: Via Lenta

MAIS UMA OUTRA AUTOESTRADA


O Portugal que imita não se importa de transformar-se em lixo se o modelo imitado fôr lixo

2007-11-11

CAMINHO NERVOSAMENTE DE NOITE

é muito tarde e está muito escuro
chove na minha alma
como chove na cidade
sou um peregrino eterno
e parto sempre
para onde não me procuro

é muito tarde e a noite tem
demasiado brilho
há uma estátua ao longe
que se move e um automóvel tirano
que a intercepta e agora todo
o sangue tem lume

é muito tarde e todos os barcos
fui eu que os quebrei no rio
vagas e lumes sobem
pela rua e eu vejo-me
em cada pedra em fuga
e no coração violado
de cada desaparecida

é muito tarde e atirei
fora as asas e um livro raro
não quero ouvir fado
não quero ouvir fado
quero ver o corvo
que vira a noite e a muda

SERENAMENTE ALUCINO

se eu tivesse um rosto sereno e magro
por ti, a quem tudo parece névoa,
quebraria as minhas mãos
para que fossem pedra
no jardim dos teus silêncios

e se eu tivesse um corpo de deus grego
na manhã quando os animais despertam
rasgaria um pedaço de nuvem
e tomando-o como coração
depô-lo-ia diante das tuas
sombras desertoras

mas ai de mim acordo lama e súlfuro
nas águas pardacentas do espelho
vejo um peixe lento, o meu olhar,
boiando no mar vermelho
de cada saudade imensa
imensamente apunhalada
por questão de método

mas depois disso é estranho e raro
que tu a quem tanto queria em névoa
de repente entres pela porta
como dois bigodes de gata que
se enganou de estação no metro

2007-11-10

NO WAY PERFECT WAY

Olhando para o futuro, ao arrepio dos tempos, dirijjo-me para o passado.

Para um passado que ainda não existiu.

2007-11-09

Os idealistas acabam por ser tão opressores como os corruptos

Por estranho que seja as repúblicas de homens honestos são em geral pouco honestas

E as organizações que se proclamam puras e defendem a "pureza" também são do mais impuro que existe (cf. a Santa Inquisão e as inquirições "de genere")

Por isso, a única condição sustentável do ser humano nobre é a do exílio no mundo


Mas há que imaginar o riso ácido dos exilados e os arco-iris que os atravessam

CARTA A UM DEMÓNIO DESANIMADO

a mim o que me cansa mais é a falta de lucidez, coisa que é pródiga neste país e por isso devia estar derreado, com a adrenalina numa miséria - mas não estou: respiro maçãs, drogo-me com o nascer do sol, e à tarde, junto de Rimbaud, misturo-me ao raios de sol que fugiram com o mar.
Depois deito-me Lua e acordo Vento. Há acordos e desacordos essenciais que as pessoas deviam tomar para com as coisas. Ser responsável pela asa dos Cisnes, por exemplo. Preocupar-se com as corridas das últimas cabras montesas. Contribuir para o brilho das listras do Tigre.
A mim só me interessa pensar, por vezes, que passo por ruas desertas de automóveis, e com as cidades ao fundo, evaporadas. Cada um tem o apocalipse que deseja, penso. No meu, uma Parede de Andorinhas levanta as colinas, com ouro e vermelho. O clamor das trombetas não é para aqui chamado. O grasnido dos corvos, animal com quem simpatizo e até trocaria com ele alguma plumagem, ouve-se agora. Acho que encontrei um ponto de pessimismo tónico ao não acreditar em nada. Em nada? Em nada! sou dos únicos seres sem crença que conheço. Assim é que tenho Asa para a Clara Luz do Vazio e os pés cobertos de lama, e do verdadeiro speed dos caminhos que se vão fazendo, andando ao acaso por todos os mundos possíveis, opostos ou harmonizados - mas todos imunes à penicilina temporária das crenças.
Diria que só assim o absinto é doce, e vira a página da paisagem com uma delicadeza de assassino antigo.

2007-11-06

MEDIEVAL DIGITAL

A minha avó quando começou a babar-se, chamou as criadas, e disse-lhes: "Isto são fios desta geringonça quebrada. Tenho aranhas cá dentro."
Elas protestaram. "Mas Senhora Dona Constança, aranhas?"
"E das grossas, daqueles com pêlos na carapaça e pior ainda, com pêlos na mente."
As criadas olharam-na de soslaio. Teria bebido, a descendente de quinze Morgadas?
Ela repetiu com aquela convicção das meninas cristalinas:
"E até com pêlos na inteligência."
E depois de uma pausa disse: "Agora tragam-me lenços. Os de cambraia, que eram da minha bisavó, e estão na primeira gaveta da cómoda Dom João V, a do corredor, a seguir ao escritório do Senhor Doutor."
Foram a correr, duas das criadas, a Conceição e a Maria, e voltaram em êxtase, dizendo em voz cantante: "Ah que rico cheirinho."
"Alfazema, do Monte" disse a minha avó,.
Depois olhou para fora com ar sonhador. Pela janela que dava para o pátio via-se o jacarandá em flor, plantado pela sua bisavó, Dona Vicência Silvina Escórcio de Mendonça.
A seguir pegou nos lenços e acariciou-os. Tinham renda de roda. Pássaros minúsculos entrelaçavam-se a palmeiras minúsculas.
"Já ninguém faz disto," disse e ergueu um lenço no ar.
As criadas admiraram-no. Quase boquiabertas e com vontade de bater palmas de admiração. Uma delas toda vermelha disse: "A minha avó que era de São Roque era uma grande bordadeira. Ela fazia isto e ainda mais."
"Pois é, em São Roque havia grandes bordadeiras," replicou a minha avó. "Havia uma que era a Balbina Arrais, a quem chamavam a Muda, filha de uma união muito desigual, entre um pescador, chamado António Dias, e uma Arrais de Mendonça. Como ela não podia falar, contava histórias com os bordados. Parecia a Rainha Matilde a mulher do rei inglês Guilherme, o Normando, que se entretinha tanto a fazer tapeçarias que já não sabia se estas eram mais reais do que a vida ou se a vida era mais real do que elas."
Parou outra vez e ao de leve com o lenço limpou baba da boca. "Isto é que são aranhas que fiam muito. Desfazem-se todas em fios. Devo ter fios e fios cá dentro. Quem me dera que fossem fios de palavras e coisas assim."
Depois retomou a sua história. "Um dia a Balbina Arrais apaixonou-se por um adelo. Sabem o que é um adelo?"
Depois de um silêncio ela prosseguiu: "Pois eram esses homens que andavam de terra em terra, sempre a pé, pelas levadas e outros caminhos muito mais bravos e perigosos, carregados de fazenda, de botões, de tachos, de fósforos, e todo o tipo de apetrechos para acasa. Chegavam a levar fiadas de baldes, e pquenas talhas às costas. Aquilo tilintava que parecia gado."
Depois doutra pausa em que acariciou de novo o lenço depois de limpar a boca, retomou a história.
" O adelo chamava-se Joaquim, tinha cá uns olhos azuis, de príncipe! e uma pele tão tostada, de vilão. Não tinha veias azuis, corria-lhe um sangue escuro e turvo. Mas os olhos! Lançavam lume. Tanto assim que era conhecido como o Joaquim Ferreira LUME. Ela era dos Ferreira Gramaxos que já tinham tido morgadios e muita terra, mas agora tinham decaído muito e andavam na roda do povo, ou quase. Bem, a Balbina ao ver aquele homem perdeu-se de amores. Passava as noites em claro. Ia ver o mar quando fazia luar. Parava de bordar e suspirava tão fundo que as irmãs andavam num alvoroço. Ela dantes tão meiga, tão certinha, sempre a bordar sem um ai, agora dava-lhe para aqueles pequenos desatinos e sonhações. E ficou como as boas heroínas de amor cada vez mais pálida, a dar suspiros e ais, embarricada num desnorte, a soltar sangue pelo nariz, com desmaios e desatenções, enfim, um pagode!".
As criadas bebiam-lhe as palavras. Duas delas estavam apaixonadas por dois filhos doutros adelos. Aquilo parecia a voz de Deus a explicar-lhe os efeitos dos homens sobre as mulheres.
A minha avó continuou (eu estava no sofá com um livro da Condessa de Ségur ao colo)
"O que anda a ler o Miguel?"
"Coisas francesas," disse a Conceição.
"Mas é preciso cuidado porque a biblioteca do Sr. Doutor tem de tudo. Tanto lá param os filósofos libertinos como as coplas ingénuas e patrióticas do Correia de Oliveira."
"Minha senhora ele está a ler As Mesaventuras de Sofia."
"Mesaventuras," criatura de Deus?
"Ou coisa no género," baluciou a criada, envergonhada por lhe ter saído aquela palavra trapalhona.
"Tem gravuras o livro?"
Conceiçao disse-lhe baixinho ao ouvido: "Não tem mulheres nuas nem outras desvergonhas."
"Eu sei. Eu sei," disse a minha avó. "É da Condessa de Ségur." E depois disse baixinho:
"Uma tonta."
A seguir recomeçou a história: "Ah! a Balbina então depois de esperar uns três meses, que era o que o homem, o adelo, levava a dar a volta à ilha..."
"Dava a volta a toda a ilha?"
"A toda! galgava montes que nem um cabrito, com aquele peso todo às costas. Dormia onde calhava. Se calhava estar no alto da monatnha e já estava escuro demais para ver o caminho, dormia nuns penhascos,. Ele era da raça dos pés de casco."
"Pés de quê?", minha senhora.
"De casco, rapariga! De homem com fibra de bode, ou se quiseres, para ser mais erudita, com pés de fauno."
"Aaaah! disseram em coro as raparigas sem perceber mas pensando que fauno parecia palavra feia como f..."
Então, retomou a minha avó, obrigada a interrupções pedagógicas para o povo: "Ele um dia lá estava outra vez. De pele ainda mais tostada, tão carregado de latas, que parecia um soldado antigo de armadura reluzente. Ao peito trazia frigideiras de cobre. A luz dava nelas, não sei o que a Balbina viu, mas o certo é que começou a bordar lenços onde se via S. Miguel a cravar uma lança no Dragão. Eram uns lenços extraordinários. O Padre Rodrigues Camacho, de São Roque, quis que ela lhe bordasse um motivo igual para a sua dalmata, para o dia do Senhor São Miguel Arcanjo. E ela dissse que sim, que lhos fazia, mas com uma condição."
A minha avó que tinha a arte dos contadores de histórias fez outra pausa retórica. Levantou as mãos ao ar e desenhou umas montanhas.
As criadas perguntaram ansiosas, a ferver de curiosidade:
"Ahn ? o quê, minha senhora?"
A Balbina queria que a levassem ao alto do monte, de cadeirinha. Era a primeira vez na vida que fazia tal requisição. Do lado Dias, do pai dela, eram pescadores há gerações. Uma gentinha de Câmara de Lobos em que corria cinquenta por cento de água do mar e cinquenta por cento de poncha há gerações, e que também há gerações eram feios e mal servidos de corpo, com uns olhos turvos, de quadro de Hieronimus Bosch, que é um belga que está no museu das Janelas Verdes, na capital, em Lisboa. Também de tanto pescar peixe tinham cára de peixe," explicou a minha avó.
"Por isso," continuou, "embora os Arrais tivessem sido fina gente, e fidalga, com meninas loiras, e ainda senhoras com chapéus de plumas e anéis de armas esquarterlados em Arrais e Mendonça, há muito que não tinham coisas de fidalguia, nem sobretudo, posses para isso, que essa de pedir que a levassem de cadeirinha causou imensa estranheza. mas como ela entretanto já bordara outros lenços em que se via a Nau São Gabriel a ser levada nos ares por uma mão donde caíam flores, enquanto os golfinhos resfolegavam, e das suas emissões de água saíam rosinhas mais lindas que as do Dr. Albuquerque Pai, cederam ao seu pedido."
A minha avó sacudiu o lenço no ar, como se estivesse a chamar gente. Mas continuou.
"Assim, um dia, ela lá partiu de caderinha, levada por dois vilões, o Zé Caixa, e o Zé da Malina, até ao alto da monte. Uma vez lá em cima, como uma monja antiga, que tivesse feito votos de silêncio explicou-lhes por gestos para só voltarem daí a uma semana. E eles, aflitos, perguntaram e que vai comer a menina?"
"Ela girou os braços à roda e apontou para o Sol a dizer que era a luz do Sol que ela ia comer. Eles olharam um para o outro, certamente - isto digo eu -" frisou a minha avó, sempre precisa" e devem ter pensado: olha! mais uma gaforinada, uma doida, que parece a irmã Francisca dos Mártires que se fechou sozinha num silo durante dois anos seguidos, até que correu voz que à sua roda brotavam milgares por todo o povoado, e se dizia que ela estava rodeada de luz e da cabeça lhe saíam pétalas de rosa. Mas que nada pusera feno na cabeça para não sentir frio, e acendera uma vela para afastar o demónio... e o ínico milagre que houve foi uma vaca que pariu um bezerro com duas cabeças" mas isso são outras histórias. Enfim, os homens lá voltaram sem ela, e explicaram que a Balbina estava doida, e que quisera ficar lá em cima, no alto do monte, à desabrigada e tudo. Um deles ainda lhe quisera deixar uma jaqueta, que ela tomou e cheirou, mas depois franziu o nariz a dizer que cheirava mal. De modo que lá ficou só com a roupinha que levava, sózinha, naqueles grandes frios e solidões lá do alto."
Mais uma vez a minha avó limpou os lábios e disse- São mesmo fios de aranha. E baixinho sussurrou tonrnei-me numa teia interior, estpi cheia de palavras que se cruzam por todos os lados com os montes e os bichos." mas depois continuou:
"Mas como a Balbina devido à beleza e ao mistério daqueles lenços já se impusera ao respeito, as irmãs embora estranhando muito, não tiveram remédio senão respeitar a sua decisão.
E assim ficou ela lá em cima do monte toda uma semana, num lugar frio e ermo como os promontórios de Hades que nem as cabra selvagens alcançavam, e onde se dizia que havia serpes, lésmias, bazuntos, molipantos e outros bichos maus."
"Hades é o rio por onde se passa antes de chegar ao inferno, explicou a minha avó. E onde os de fraca memória a perdem para sempre"
As criadas estremeceram.
"E passados sete dias, lá foram de volta os dois Zés, mais a caderinha. E ao vê-la ficaram surpreendidos. Durante essa semana Balbina bordara um lenço de um tamanho enorme que cobria todo o lado da monte que dava para o mar. Estava lá bordada toda a história da ilha, desde o desembarque de Sir John Drummond, meio morto de fome, e ainda com uma ponta de flecha cravada no pulso, e amarrado ao pescoço uns fiapos de um lenço que fora de Joana d'Arc."
Depois a minha avó, tossiu, limpui a boca com o lenço e explicou que Joana d'Arc "Foi uma que os ingleses queimaram na fogueira como bruxa, porque via anjos e era generala dos franceses no tempo mais antigo ainda do que a ilha toda. E que o tal Sir John Drummond era um cavaleiro andante, das Terras de Escócia que partira para França combater ao lado do Delfim.
As criadas perceberam ao lado do golfinho. Mas não ousaram perguntar nada.
E a minha avó continuou: "Eu agora que estou velha de deitar fora..."
"Que ideia minha senhora!"
"Já não presto para nada a não ser para servir de memória."
"Ora essa?"
"E para isso já tem vocês computadores de modo que..."
Erguendo-se comandou com aquele tom indiscutível de quem traz no sangue quinze gerações de morgadas: "Tragam-me a cadeirinha e levem-me para o alto do monte!"
"Oh minha senhora, pela sua alma? E o netinho? que vai ser dele?"
"Fica a ler aquelas baboseiras da Ségur até tomar juízo!" Depois disse: " Vamos lá, deixem-se de fitas e que eu não nunca fui cá de ouvir lamúrias e disparates desses. Chamem os homens, porque clamar pelos anjos é bonito, mas sempre escusado."

2007-11-04








na obscura e rápida cidade
onde hoje nada demora
em cada rosto encontro
um jardim desaparecido

e no meio do ruído contínuo
erguido contra a voz humana
em cada corpo encontro
uma câmara de tortura

só os pássaros que pousam
sobre os anúncios
vigiam a grande e clara
luz que vem do rio

máquinas doutras máquinas
toda a gente que vejo
tem a luz do sofrimento
nos olhos perdidos

e claramente vejo
estamos no pior dos tempos
o dos escravos rápidos
e dos seres dúbios



2007-11-03


Durante todo o dia
Meus gatos
Puxaram o telhado
Para cima.
Depois desceram
Com estrelas nos bigodes
E aquele ar fatal
De quem tem
A Via Láctea
Por companhia.

2007-11-02

A vida em Portugal
A vida em Mortugal
a vida aqui está tão viva
que deito mais uma pazada
na tua caixa
no teu caixão

A vida em Portugal
a vida está aqui tão bem
a vida está aqui tão mal
que enfio mais uma copada
dentro da tua caixa
dentro do teu caixão

pam param pam para para pam

2007-11-01

detesto jardins zen



detesto jardins



zen



zen jardins de texto



zen jardins



texto

aa

aa

aa

Portugal está sempre em demolição. A modernidade aguarda o Mestre.


C A R A V E L A
C A R A V A L A
C A R A V I L A

C A R A VE L H A


A modernidade aguarda o mestre de

C A R A , L E V E

O COLECCIONISMO

O coleccionismo é uma adicção? Se colecciona postais dos anos trinta, cuecas roubadas ou blogs impenitentes descubra o nome da sua patologia:

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