MANIFESTO FEDORENTO DESASTRE
(Ontem, Pereira tentava imitar um repórter madeirense entrevistando a careca do tirano Jardim - que já de si é uma caricatura - com uma mistura de sotaque algarvio e outro vagamente açoriano e um toquezinho mal colado e mal estudado de madeirense. A imitação pretendia ser rigorosa, mas era má, fraca. Um imitador que não imita bem, que não imita na perfeição e que apenas finge imitar vende gato por lebre).
Claro que Jardim, como se percebeu desde o Pleistoceno é mais um cromo forte, o ás do baralho, na galeria de provincianos.
Contudo gozar provincianos é facile, desde Roma, e mesmo dantes, que os agricola, os rústicos, os vilões são alvo de graças desdenhosas por causa da sua maneira de falar, e do arrastado, pateta, incivilizado ou inexistente pensar. Mas talvez tenham piada para adolescentes de sotaque uniformizado, de insípida literacia, que julgam que as galinhas invariavelmente nascem desplumadas. Talvez tenham piada para adolescentes desprovidos de um mínimo de humor. Gozar provincianos acaba por ser mesmo muito provinciano.
Ontem vi parte do seu novo programa. Novo para mim. A certa altura entraram em cena os 4 elementos do grupo D'zrt. Não sei se há qualquer coisa como uma retórica da adrenalina, se a ebuliência atlética é de rigueur na TV nacional agora, que parece apostar na onda contentinha, no sempre-porreirismo. Os D'zrt com ademanes mui simiescos,
do género
nós-mexemos-muito-cheios-de-adrenalina-poça,
cantaram uma canção com letra dos Fedorentos.
Na letra um rapaz vai declarando a uma rapariga todos os autores da Literatura de que não gosta, que não suporta e que ela lê.
"Não estou nessa de Isabel Allende" começa.
Depois segue-se uma lista de autores em que os D'zrt aqui promovidos a His Master´s Voice dos Fedorentos são bulldozerizados, sem apelo nem agravo. O Index dos Autorem Prohibitorum dos Fedorentos (Novos Inquisidores culturais) interpretados com a fausse adrenalina do retórico entusiasmo dos acéfalos D'zrt dá uma tacada em autores paraguaios, colombianos (não nomeados, mas para bon entendeur percebe-se que os alvos são Garcia Marquez e Alejo Carpentier) e a seguir um ataque en passant ao realismo mágico.
Nota-se um óbvio racismo literário de exclusão pela chalaça, o cantor, que certamente nunca leu nenhum dos autores, "não está nessa", como diz com veemência à sua namorada, e a seguir a letra passa ao ataque e descarte de autores, que a namorada também lerá, como Leon Tolstoi, da Guerra e Paz, que é visto como uma seca, e atira-se também mais uma bomba sobre a "subtileza" de Anton Tchekov.
No fundo tudo muito adolescente: Gosto disto, não gosto daquilo. Estou numa de, não estou nessa de.
O pronunciamento é primitivo, de resto cíclico. Ficava bem a Le Pen. - entretanto para efeitos de demolição da Literatura gagá já tivemos com muito mais graça e eficácia o movimento DADA e por cá, Al mada com o Manifesto Anti-Dantas - a condenação à fogueira destes autores por parte dos Fedorentos + D'zrt é evidente. Incutir o desprazer e o desdém pela Literatura agora é a tarefa destes símios.
Podia-se dizer que foi uma practical-joke que os Fedorentos fizeram aos D'zrt, torná-los ridículos pondo-os a cantar com fervor deslumbrado um hino, com uma música internacional da cultura coca-cola misto de pop, funk com episódios rap. Mas acho que não foi. Foi uma espécie de manifesto anti-cultural, cheio de acne por todos os lados.
No fim da canção, muito aplaudida por umas groupies de doze anos, um dos símios dos D'zrt ergueu as duas mãos ao ar fazendo o clássico sinal de cornos do rock dito satânico. Nada de novo. Nada de preocupante. A TV lançando mais lixo para o ar, mas desta vez os autores de lixo são os Fedorentos unidos aos Morangos. Típico.
Tornaram-se a polícia Tcheka, de um fundamentalismo simplex anticultural.
Resta que o humor popular em Portugal continua confuso, porque nunca soube fazer a sua amamnese. Mas isto vem desde o Herman. Continua a só haver um género e despótico, o humor de tipo imitativo. Mas já se sabia que Portugal é um inferno de imitadores, que produz a mesma monótona fruta. As subtilezas do nonsense ainda escapam por completo a estes adolescentes já com cabelos brancos.
A "rebelião" vende-se bem. O cabotinismo também.
Mas não se deixe de passar em claro: a canção dos D'zrt com letra dos Fedorentos foi um claro manifesto símio. Os Autos-da-Fé de livros agora são ao vivo. A Santa Parvalheira agradece. Os Fedorentos integram-na na paz do Senhor. Os D'zrt já se sabia. O racismo literário, o ódio a Literatura tambem ficou bem servido. No fundo convem aos Grandes Desígnios Nacionais que aí vem.(Os designios das petroleiras) Xanax e amnésia, "porque já não estou nessa." Os Grunhos tem a palavra e as audiências não menos grunhas. Perfeitamente excelente.